Por que é que, em meio a tantos bebezinhos risonhos, o vídeo de um deles é aquele que se espalha? Por que a declaração de amor de um menininho envergonhado supera em views a comemoração do primeiro beijo, feita por outro menininho, de mesma idade e tão simpático quanto? Por que um vídeo de uma banda desconhecida ganhou milhares de adeptos em poucas horas? O que, afinal de contas, faz um hit?
Lembra daquele filme em que a banda desconhecida conhece um produtor musical, que transforma os moleques em superestrelas do rock? Pois então. Era um tempo em que esses caça-talentos escolhiam quem gravaria disco, tocaria no rádio e apareceria no programa de auditório de terninho e cabelo penteado. Para a banda, ser pescado por um olheiro era uma rara chance de ser ouvido. A escolha um tanto arbitrária de quem mereceria o mainstream não podia ser, então, só uma questão de gosto. Os eleitos precisavam ter o “algo a mais”, a quintessência do hit, o mistério do pop onde, em um mar de repetições, algumas, aparentemente tão iguais às outras, se destacam.
Hoje, a lógica é outra porque a voz é mais plural. “Antigamente demorava para alguém ‘estourar’, tinha até a limitação geográfica. Mas rompemos as barreiras materiais e tecnológicas para produzir conteúdo. É mais fácil gravar disco, mostrar o trabalho. O conteúdo mais leve, mais fluido, trafega pelas redes com rapidez”, explica o professor de mídias digitais da Universidade Federal do Maranhão, Marcio Carneiro dos Santos. Mesmo assim, explica ele, nem tudo vira sucesso nas redes. “A seleção daquilo que, em meio a uma infinidade de informações, merece ser compartilhado mudou de mãos, mas ainda existe. Só que hoje ela é feita pelos influenciadores: um blogueiro de quem gostamos, um amigo com quem nos identificamos.” Ou seja, o “algo a mais” continua necessário, só passou a ser identificado por outras pessoas. O que, afinal de contas, faz um hit?
Sabemos que fazer esta pergunta pode ser igual a entrar num vespeiro diante das tantas respostas possíveis – e possivelmente nenhuma exata. Mas isto não impede que atentemos para o fenômeno com olhos curiosos. “A dinâmica das informações na rede é um tema que ainda está sendo estudada, não está definida. Mesmo assim, dá para apontar algumas causas culturais e sociais, que vão além da facilidade técnica de hoje, para justificar nossa atenção”, explica Santos. Ele conta que o sentimento de pertencer a um grupo ainda determina em parte nossas escolhas. Somos influenciados e influenciamos nossos pares com as informações que compartilhamos. Quando um vídeo de música, por exemplo, cai nas mãos e nas graças de um influenciador, logo será sucesso em seu grupo – um movimento que hoje acontece com muito mais facilidade por conta das redes. É a lógica do viral. “A atenção recai sobre o que se mostra diferente. Soma-se aí a identificação e um tanto de acaso”, observa. A fórmula pode ser bem pensada ou conseguida por sorte, e o tal “algo a mais” pode ser um apelo ao afetivo ou ao pitoresco. “Ou passamos adiante porque adoramos, ou porque nos parece muito absurdo”, completa.
Mas, e quando o grupo no qual o hit se espalha é muito grande e muito heterogêneo? Haverá algo no mundo que possua apelo universal? “Temos que ter cuidado com o que chamamos de universal”, alerta Santos. Algumas vezes pode ser só o extrato cultural de um grupo socialmente dominante. Podemos, segundo ele, falar em universal em dois campos extremos: ou o da neurociência, da nossa percepção determinada por fatores genéticos, ou no outro lado, o apregoado pela fé e pelo religioso, mas corremos o risco de errar feio quando aplicamos o termo naquilo que corresponde à cultura – quase tudo.
Independentemente de gostos particulares, somos ligados por aspectos que ultrapassam nossa escolha, que são traços culturais ou condições da natureza humana. E nestas conexões acontecem também identificações, só que de outra ordem: em vez de gosto musical, compartilhamos anseios, desejos, carências e ideias. Qual foi nossa surpresa quando a banda mais comentada na web nos foi apresentada pelas mais diversas pessoas? Bem verdade, foi questionada a qualidade musical, a insistência do refrão. Mas havia naquele clipe algo de inspirador, de contagiante que estava mais na convocação, um a um, de um grupo de amigos em torno de palavras de amor. Estava aí o clique! Não se tratava apenas de uma canção, mas de um chamado para convivência e para a experiência conjunta em torno de um mesmo sentimento.
Por que é moda falar de amor?
Se há algum tempo, as atenções na web se voltavam para o vídeo do sanduíche-iche-iche, hoje, observamos um impulso coletivo pelo gesto de carinho, pela alegria contagiante e pela mensagem positiva que se espalha entre pessoas, inspirando convívio e aproximação – como os balões voando no céu de Barcelona ou a declaração envergonhada do Tan Hong Ming apaixonado.
Esse anseio pelo sentimento positivo é dividido por grupos de pessoas em todo o mundo, e, segundo a psicóloga Edméia Ganem, refletem nosso modo atual de vida. “Somos seres gregários, solidários por natureza. E nossa sociedade é grupal e coletiva. Mas em algum momento, a sociedade de consumo impôs um isolamento e formatou nossas interações com as novas tecnologias. O que observamos é que mudou a forma de nos relacionarmos, mas não o conteúdo. Continuamos querendo pertencer a um grupo, trocar”, explica. Por isso, na contramão da vida individualizada e fechada, passamos a transmitir coletividade e interação positiva na internet.
A voz que ecoa nas redes é, no fundo, o anseio que habita a sociedade atual. Não à toa, a publicidade se apropriou da mensagem: o comercial do sorriso coletivo, o dos guarda-chuvas abrindo ou aquele em que até o contestado refrigerante diz que há razões para acreditar em um mundo melhor.
Quando paramos e nos distanciamos para observarmos a onda que estamos navegando, encontramos um cenário intrigante.
* Publicado originalmente no As Boas Novas.