Oslo, Noruega, setembro/2011 – Segundo a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o Capítulo Final da Líbia de Gadafi está sendo escrito atualmente. Como nos capítulos finais de Iugoslávia-Milosevic, Afeganistão-Omar, Iraque-Saddam Hussein e a Guerra Contra o Terror-Bin Laden, a questão é: eliminar o “mau”.
Não sabemos exatamente quando será lido esse “capítulo final”, mas podemos considerar experiências anteriores, adotando um enfoque aparentemente trivial, mas útil, resumido em uma frase do filósofo Ruiz de Santayana: “quem não aprende com a história está condenado a repeti-la”.
Após a destruição dos símbolos de Gadafi, previsivelmente haverá uma cerimônia para celebrar a vitória da Otan. Estarão ali, talvez em um porta-aviões, Sarkozy, Cameron, Berlusconi, Obama e alguns “bombardeiros-chefe” nesta história para declarar “Missão Cumprida!” e se preparar para os prometidos contratos petrolíferos? Dificilmente. É presumível que haja certo estilo europeu na cerimônia, como na reunião de mais de 60 nações em Paris no dia 2 de agosto, quando se prometeu liberar os ativos congelados para entregá-los ao Conselho Nacional de Transição. Outras reuniões servirão para elaborar uma nova Constituição, fixar eleições livres e, se for capturado vivo, submeter Gadafi a julgamento no Tribunal Penal Internacional, do Ocidente.
Antes, haverá uma queima maciça de uniformes líbios por parte dos “leais”, que vestirão roupas civis e se prepararão para uma longa fuga. Depois de um mês, um ano, ou talvez mais, virão as bombas à beira do caminho, as sabotagens de oleodutos e refinarias. E virá à luz a incapacidade do Clã de Bengasi e seus adeptos para enfrentar o clã de Sirte e seus partidários.
Tomemos dois pontos básicos da névoa da história.
Iugoslávia, Afeganistão, Iraque e Líbia são construções artificiais de arquitetos globais obcecados com mapas mundiais que identificam com uma cor os “Estados nacionais”. Eles creem que os cidadãos de Estados com apenas uma cor formam uma “nação”.
Quando aprenderão que essas nações, na realidade, não existem? E que o sangue de clãs-tribos-etnias-raças em altamente heterogêneas “culturas-nós” é mais forte do que a água das ideologias partidárias em homogêneas “culturas-eu”. O que o sistema de “uma pessoa, um voto” em eleições livres e justas funciona melhor em homogêneas “culturas-eu”, como Noruega, Alemanha, Itália ou Japão, enquanto em heterogêneas “culturas-nós” as pessoas votarão para que suas clãs-tribos-etnias-raças cheguem ao poder. Para manter esse Estado artificial sem que se desarme é preciso pagar um preço: repressão dura para conter as forças centrífugas e um ditador local ou uma ocupação estrangeira.
Vejamos um segundo pequeno ponto: o que é imposto pela violência tende a levar à violência e ao governo repressivo, não à democracia. Contudo, perguntarão, não foi imposta a democracia na Alemanha-Itália-Japão depois da Segunda Guerra Mundial e, entretanto, funcionou? O que ocorreu é que esses três países eram homogêneos, dois deles inclusive “culturas-eu”, com uma tradição de democracia eleitoral e governo da maioria. Embora os três tenham tido ditaduras e militarismo, estas se originaram sem relação alguma com o propósito de manter juntos, à força, diferentes grupos étnicos. A Guerra Mundial fez com que se restaurasse o que havia antes ali.
Então, é um caso perdido esta guerra contra o atroz Gadafi? Se a meta é estabelecer uma “democracia secular estável”, sim, porque mobilizará os islâmicos, os clãs e as tribos para a violência e conflitos sem fim.
No entanto, se um objetivo principal é o estabelecimento de um banco central privado, não estatal, como já fez o clã de Bengasi, então não será um caso perdido para os que a empreenderam. Se a meta foi liquidar o Banco Africano de Investimento em Sirte, Líbia; o Fundo Monetário Africano na Nigéria, uma Federação Africana e uma moeda africana em dinares de ouro, então há motivos para que comemorem (o governo de Obama já confiscou com esses propósitos US$ 30 bilhões da Líbia depositados nos Estados Unidos).
Entretanto, a primavera árabe madura já se estendeu a Israel com protestos em massa contra a desigualdade. O lançamento de foguetes e os ataques desde Gaza sob a ocupação de fato são deploráveis, mas previsíveis. A colheita do último verão está ali: um Egito mudado reage, 30 anos de trégua se evaporaram. E acontecerão mais coisas
Porém, também haverá mais do outro lado e o império Estados Unidos-Israel terá um sucessor. Meu livro de 1973 “A Comissão Europeia” tinha o subtítulo “Uma Superpotência em Preparação”, e em outro livro meu, “A Queda do Império Norte-Americano”, de 2009, apontei os europeus e a Otan como os prováveis sucessores dos Estados Unidos. Farão eles o trabalho até que os Estados Unidos se recuperem e possam ser novamente o xerife do mundo para capturar os “maus”, vivos ou mortos?
Provavelmente, não. Esta quarta chicotada imperial no Oriente Médio e no Norte da África depois do Império Otomano, do Ocidente (Itália-Inglaterra-França) e de Estados Unidos-Israel, será, provavelmente curto. Eles agora dizem que “a Líbia não é o Iraque” com antes costumavam dizer que “o Iraque não é o Vietnã”. Sim, há diferenças, mas também esmagadoras semelhanças.
Talvez, uma Líbia descentralizada, a promoção da unidade da África, minimizar a importância de seus 54 Estados e dar-lhe 500 “sub-Estados” seja uma solução muito melhor, com governos por consenso entre muitas partes em lugar do “ganhador leva tudo”, como no Distante Oeste. Envolverde/IPS
*Johan Galtung é reitor da Universidade de Estudos sobre a Paz Transcend e autor de “The Fall of the US Empire-Ant Then What?” (www.transcend.org).