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A fria Varsóvia atrairá a atenção do mundo entre os dias 11 e 22 de novembro de 2013, quando acontece a 19a Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU para Mudanças Climáticas (UNFCCC). E a grande pergunta é: o que podemos esperar da CoP19?

Para responder, é preciso primeiro olhar para trás e entender o lugar que esse encontro ocupa dentro do processo de negociações climáticas. A CoP19 é a primeira depois do encerramento do Caminho de Bali, o qual manteve as negociações em dois trilhos – do Protocolo de Quioto (KP) e das Ações Cooperadas de Longo Prazo (LCA) – por cinco anos. De agora em diante, não há mais a divisão entre países do Anexo I (signatários do Protocolo de Quioto) e os demais: estamos todos juntos no mesmo barco. Até o ano passado, as negociações eram feitas em dois trilhos paralelos porque o Protocolo de Quioto foi ratificado apenas por alguns países industrializados, o que levou à necessidade de criar outro caminho para incluir grandes emissores, como Estados Unidos, China e Brasil, entre outros.

O novo trilho de negociações se chama Plataforma de Durban para Ação Fortalecida (ADP, na sigla em inglês) e tem dois objetivos: o primeiro, alcançar o acordo climático global que se espera firmar em 2015; o segundo, reduzir o hiato entre as emissões dos gases causadores do efeito estufa (GHG, na sigla em inglês) e os níveis considerados seguros pela ciência, elevando as ambições de mitigação até 2020, ou seja, antes que o acordo climático entre em vigor.

A diferença de cinco anos entre o ano em que se espera alcançar um acordo climático global (2015) e sua entrada em ação (2020) justifica-se pela necessidade de adaptação das legislações locais, uma vez que a governança global da ONU não se sobrepõe à Constituição e às leis internas dos países-membros.

Varsóvia definirá o cenário para discussões até 2015 e este é o principal resultado que se espera da CoP19: que sejam tomadas decisões sobre a forma de estrutura e sequência de trabalho no próximo biênio. Espera-se também que os países se disponham a reduzir muito mais do que o prometido até agora – e um objetivo fortalece o outro. Elevar a ambição pré-2020 aumenta a confiança dos negociadores, especialmente entre as nações em desenvolvimento e para os países mais vulneráveis, porque indica seriedade nos compromissos. Para estes países, cortar as emissões e fortalecer os recursos e ferramentas de adaptação são prioridades e, por isso, certamente não deixarão que o relativamente recente mecanismo de Loss and Damage (ou Perda e Dano, em português), seja soterrado por outras agendas.

Outro fator-chave para o sucesso é elevar a confiança entre os negociadores. Ele passa pela robustez do Fundo Verde Climático e por respostas efetivas aos recursos de US$ 100 bilhões anunciados em 2009 em Copenhague, na CoP15, cuja origem não foi determinada até agora. O acompanhamento do Programa de Trabalho sobre Finanças de Longo Prazo (LTF-WP), que descreve os caminhos para ampliar o financiamento, é essencial.

Varsóvia e o fantasma de Copenhague

A confiança é um fator crítico também porque o fantasma de Copenhague ainda ronda as negociações. O receio de que o fracasso da CoP15 venha a se repetir em 2015 é real e constantemente alimentado pela luta para manter a matriz energética global baseada em combustíveis fósseis – ou para retardar a migração para fontes limpas. A imprensa australiana já noticiou que o país não enviará nenhum ministro à CoP – que, tradicionalmente, reserva os últimos dias para as chamadas Sessões de Alto Nível, que reúnem representantes dos países-membros com poder de decisão. São truques que geram desconfiança e que podem retardar os trabalhos.

Outra manobra que pode complicar um processo que foi simplificado com o fim dos trilhos de negociação é o questionamento das Responsabilidades Comuns, Porém Diferenciadas (ou CBDR, na sigla em inglês) – um conceito que há anos tem colocado países desenvolvidos e em desenvolvimento em campos opostos. Enquanto os primeiros querem uma maior divisão de responsabilidades (e custos!) entre os países-membros da UNFCCC, os segundos defendem o respeito às diferenças sociais e responsabilidades históricas. Como as Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas estão na Convenção-Quadro das Mudanças Climáticas, e não no acordo que está sendo gestado, seria preciso alterar conceitos fundantes da própria UNFCCC – um bode que pode ficar na sala por vários anos.

Apesar da diferença estrutural com a CoP18, algumas semelhanças podem ocorrer. O fator Rússia, por exemplo. Tanto o gigante asiático com algumas das nações que integravam a antiga União Soviética, como Cazaquistão, Ucrânia e Bielorrússia, têm objeções às decisões tomadas sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto que impedem a transferência de suas emissões não utilizadas da primeira fase de compromisso para o segunda. A dúvida é sobre como a Polónia lidará com a pressão russa, considerando-se que ela mesma tem sido bastante refratária ao avanço das negociações.
O fator Estados Unidos também pode se repetir: seu negociador chefe, Todd Stern, não perde uma oportunidade para desacreditar o processo da UNFCCC em favor de negociações bilaterais. O progresso obtido na periferia das negociações climáticas, notadamente o acordo entre os norte-americanos e a China sobre energias renováveis, devem ser usados para defender a crescente integração entre processos formais e informais. Outra tese cara aos países desenvolvidos que continuará na mesa é a crescente participação da iniciativa privada nas iniciativas e financiamento da mitigação e adaptação às mudanças climáticas – algo que os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, questionam.

Terra do carvão

Tudo isso na fria Varsóvia, que nunca abrigou um governo favorável às negociações do clima. Historicamente, o carvão sempre foi o motor da economia da Polônia e é a garantia de independência do gás vindo da Rússia. A indústria de energia intensiva e de combustíveis fósseis tem tido acesso privilegiado nos eventos pré-CoP coordenados pelos poloneses. Doze empresas de combustíveis fósseis foram convidadas a patrocinar a CoP19. E, ironicamente, a segunda semana da Conferência coincidirá com um grande evento internacional da indústria do carvão que está sendo recepcionado pela Polônia.

Christiana Figueres, secretária executiva da UNFCCC, já confirmou presença na Cúpula do Carvão, gerando protestos dos ambientalistas. Não bastasse isso, há algumas semanas apareceu no site oficial da CoP19 uma postagem sobre as oportunidades econômicas trazidas pelo derretimento do gelo do Ártico. E o aplicativo oficial para smart-phone da CoP19 traz a seguinte mensagem de abertura: “As mudanças climáticas são fenômenos naturais, que já ocorreram muitas vezes na terra”. A comunidade internacional ainda não decidiu sobre a melhor forma de expor estas contradições sem fomentar conflitos e erodir o clima das negociações. O fracasso de Copenhague ainda está muito vivo na memória de todos para não deixar dúvidas sobre como o país-anfitrião pode implodir uma conferência.

Se o acordo climático almejado para 2015 fosse um prédio, Varsóvia seria seu alicerce. Precisa ser sólido, mas não é o que atrai a atenção e admiração dos moradores. Não esperamos grandes manchetes na imprensa. Mas o acompanhamento atento e a pressão da sociedade são fundamentais para que a construção não desabe no futuro.

* Délcio Rodrigues é especialista em Mudanças Climáticas do Vitae Civilis. Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Vitae Civilis, acompanha as negociações climáticas desde 2009.

** Atualizado às 15hs do dia 11 de novembro de 2013.