É realmente incrível como muitas pessoas se mostram indignadas quando se discute a cobrança pelo uso da sacolinha plástica ou mesmo o fim da sua comercialização.
Como afirmei em artigo anterior sobre o tema, sacola plástica é apenas um símbolo, caráter meramente ilustrativo de uma era na qual o consumismo exacerbado entorpece os corações e mentes das pessoas. Muitos confundem o uso desse artigo de uso banal com direitos fundamentais e inalienáveis a ser defendido em trincheiras e a força de baionetas.
Por mais que tenha ressaltado a pouca relevância que o banimento ou não das sacolinhas teria sobre os verdadeiros embates, aliás inadiáveis, relacionados à proteção ao meio ambiente, alguns comentários fizeram questão de afirmar o contrário. Disseram ser uma “falácia”, entre outras adjetivações diante de tantos produtos embalados com matéria plástica.
Para essas pessoas parece que vivemos num mundo em que o cidadão/consumidor age da maneira mais correta possível, sendo responsável, consciente e cumpridor de seus deveres. Diante de tantas virtudes, nada mais lhe caberia fazer. E, se problemas existem, todos eles residem nos governos corruptos e nas corporações gananciosas.
Não seremos nós, pessoas de bem, que deveríamos abrir mão do mínimo que seja para forrar ainda mais os bolsos já cheios dos grandes exploradores.
São também os mesmos que defendem, até mesmo com lágrimas nos olhos, os direitos dos mais pobres, como afirmou este leitor: “vá até a periferia de São Paulo e veja nos supermercados como ficou a vida daqueles que fazem suas compras e não dispõem de automóveis para o transporte dos produtos”. Quer dizer que além de não lhes darem carros ainda tiram dos mais pobres as sacolinhas? Essa é realmente uma maldade acima do aceitável!
A confusão entre direitos sociais e consumo se amplia exponencialmente quando acreditamos que todas as pessoas, além do divino direito as sacolas plásticas, faz jus também a um carro. As cidades brasileiras, grandes e médias, já não suportam tantos veículos de transporte individual. Estamos desfigurando a paisagem urbana, gastando milhões, bilhões para fazer frente a uma realidade impossível de se perpetuar. O real direito de ir e vir com segurança, comodidade e rapidez é substituído pelo transporte próprio que, na maioria dos casos, não garante os direitos descritos anteriormente e além do mais custa muito caro.
Nada mais desonesto do que afirmar a pureza de uma sociedade longe que está de adotar as melhores práticas de convivência civilizada, harmoniosa e solidária. Tratamos os espaços públicos como terra arrasada, jogamos lixo nas ruas, rios e lagos, inclusive as sacolinhas que angelicalmente, todos afirmam armazenar seu lixo.
Vivemos durante longo período uma triste e cruel ditadura responsável pela supressão de direitos, aí sim fundamentais. Tudo era imposto de cima para baixo e a sociedade estava à mercê de grupos encastelados no poder e determinando o que se podia ou não fazer.
Hoje não temos mais essa ditadura, mas interesses de alguns continuam a prevalecer sobre os da maioria. Agora, é preciso entender que se queremos usufruir de direitos é necessário também sermos responsáveis.
São Paulo Insustentável. A nova realidade de uso indiscriminado dos recursos naturais coloca em cheque um estilo de vida perdulário e injusto. Sacolas plásticas, carros, lixo, poluição, contaminação, estresse, consumismo, obesidade e tantas outras questões relativamente novas são alguns nomes e símbolos dos enormes desafios da sobrevivência que estão colocados, gostemos ou não deles.
Recente estudo da organização não governamental WWF (World Wildlife Fund) com a consultoria Ecossistemas concluiu que o paulistano tem um estilo de vida insustentável. Isso significa que se todos os habitantes do planeta tivessem o mesmo que os habitantes da capital paulista seriam necessários 2,5 planetas. Para essa conclusão são levadas em conta as emissões de carbono, hábitos alimentares, como o de comer carne, moradia, lazer e consumos diversos.
Uma situação típica em que direitos e deveres são colocados lado a lado. Não podemos abrir mão de sermos protagonistas nessa discussão. Qual o meu direito de comprometer o futuro dos meus filhos, da minha cidade e do meu planeta? Com a palavra o leitor/eleitor/cidadão/consumidor.
* Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na Fappes.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.