O sentido de urgência segundo um homem lúcido e comprometido

“A espécie humana não pode suportar muita realidade.” Citação do poeta inglês Thomas S.

Atualizado em 08/02/2012 às 07:02, por Ana Maria.

“A espécie humana não pode suportar muita realidade.”

Citação do poeta inglês Thomas S. Elliot no livro A Urgência do Presente – Biografia da Crise Ambiental, de Israel Klabin, Elsevier Editora, Rio de Janeiro, 2011

Poucos seres humanos, homens ou mulheres, e considerando a expectativa de longevidade conquistada pelas últimas gerações, podem se dar ao luxo de ter vivido de modo tão intenso e engajado oito décadas, participando de eventos importantes na vida social, política e ambiental do Brasil, e de outras nações. Este privilégio foi e é vivido por Israel Klabin que nos brinda com um livro inquieto, instigante, bem escrito e que, aos olhos atentos dos diversos públicos que hão de se interessar por ele, pode revelar muitas dimensões da vida pública de um homem de nossa elite econômica e intelectual, bem como do ambientalismo. Qualifico o ambientalismo como ideologia política por excelência, ainda que muitos o vejam apenas como um movimento (entre tantos nas sociedades complexas) ou como uma escola de pensamento, entre outras – que se esforça por decodificar o nosso tempo, a história contemporânea.

Por falar em tempo, o próprio título do livro revela a dramaticidade do enredo construído por Klabin: A Urgência do Presente; e assim mostra uma visão comum a muitos livros que tratam de um modo catastrofista para alguns ou realista, dirão outros, os perigos pelos quais estamos atravessando, enquanto humanidade, por estarmos “postergando” decisões ou não tratando com a devida atenção os fenômenos do aquecimento global, da deterioração ambiental em geral (florestas, mares, oceanos e água doce), assim como da explosão demográfica que legará nove bilhões de pessoas ao planeta em 2050.

A dramaticidade e o sentido de urgência atravessam todo o livro, que é rico em informações científicas, técnicas e da arquitetura das instituições que atuam na área ambiental, e culminam com os dois cenários que o autor aponta já nos capítulos finais: um tipo “Blade Runner” (no qual todas as profecias de catástrofe se realizaram) e outro tipo Londres em ritmo de Olimpíadas, onde as pessoas fizeram o dever de casa e estão felizes, confortáveis por terem enfrentado os desafios do presente (se a crise econômica deixar).

Os dois cenários, polarizados, falam mais de Israel Klabin, o ambientalista, herdeiro da cultura judaico-cristã dos grandes profetas do que da realidade que deseja descrever e influenciar. Em nenhum momento a urgência (do aqui e agora) e os eventos extremos (que já começam a afligir a humanidade segundo o livro) deixam a reflexão resvalar para um confuciano “caminho do meio”, permitindo que nem a visão pessimista ou a otimista predominem, deixando vir à tona a constatação simples de que as sociedades são desiguais, que as culturas têm percepções diferentes do que seja a vida e a morte, ou mesmo a evolução, e de que os paradigmas de desenvolvimento das sociedades orientais não são os mesmos das ocidentais.

Uma “governabilidade ambiental global” é, em muitos aspectos, a história frágil e desconexa que ele mesmo disseca no capítulo que dedica à “arqueologia das COPs”, qualificando a trajetória das COPs (Conferências das Partes) de clima como caótica e pouco operante. Chega a afirmar que a maioria das conferências são hoje caros e anedóticos “passeios turísticos” – e que nada sério se avizinha depois de Kyoto (que, segundo sua análise, não representou grande coisa em termos dos resultados).

O mundo, esta é a sua certeza, será marcado em 2050 pelo aumento da temperatura dos mares, por mais emissão de carbono e por problemas agora trazidos pelos emergentes como China, Índia e Brasil, além da Rússia. Não podemos negar que as evidências levam à perspectiva de um mundo diferente que apontará para a geração – daquele presente – desafios talvez iguais ou superiores aos que nos são apresentados hoje. Em muitos momentos a pergunta de natureza ontológica é: evoluiremos pelo amor, compreensão da natureza e do desígnio do Cosmos, ou pela dor, cegueira, indecisão, negligência (pergunta). Basta uma espiadinha na “longa duração” de Braudel para vermos que não há como separar luz e sombra e que ambas as pedagogias caminham juntas sobre a Terra, ainda que algumas culturas afirmem portar as luzes.

Quando comecei a publicar a pesquisa nacional O que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente, em 1992, e já com mais quatro edições desde então, tentávamos entender o fenômeno do ambientalismo em nosso país. Naquele primeiro momento, em que mapeávamos as tendências, era possível identificar um grupo de ecodinossauros (um exemplo é o ainda militante dr. Paulo Nogueira Neto); um outro grupo de policy-makers engajados no combate à poluição, sobretudo urbana que chamamos de ambientalistas pragmáticos; um grupo grande e politicamente forte de conservacionistas (herdeiros da tradição da escolas de pensamento que culminaram com as políticas de áreas protegidas em vários países); um grupo simpatizante dos verdes europeus que tentavam produzir uma renovação no campo da política, designada por eles mesmos de ecopolítica (Sirkis, Minc, Gabeira), e ainda um pequeno grupo mais colado às filosofias alternativas de cunho holístico, muito próximo daquilo que conhecemos como ecologismo ético (Capra, Boff, Marina).

Nos anos 1990, com a crescente adesão ao conceito de desenvolvimento sustentável, esses diversos grupos se amalgamaram, perderam contornos ideológicos e misturaram saudavelmente tendências (e classes sociais), à medida que a agenda ambiental foi ganhando relevância na agenda tanto política estrito senso quanto pública de uma maneira geral, dentro e fora do Brasil.

Sem dúvida nenhuma, hoje podemos dizer que a maior parte dos ambientalistas forma um grupo que denominamos de sustentabilistas. Acreditam no tripple bottom line (a teoria dos três pilares do desenvolvimento) e alguns mais, outros menos, acreditam no fundo, que a sociedade deve se ecologizar (ser regida por padrões de organização ecológicos). Dividindo-se basicamente em fundamentalistas e pragmáticos, estes dois grupos se diferenciam apenas em dois aspectos: o quanto se deve aprofundar a reforma (do Estado, da sociedade e do self) para se alcançar o que todos desejam no fundo – uma relação mais harmônica e equilibrada entre os povos, as culturas e destas com o planeta; em última instância, fundar uma nova economia, a dos bens e serviços que os ecossistemas prestam hoje à humanidade e à sobrevivência das demais espécies (vegetais e animais).

Israel Klabin não foge à regra, e a sua própria evolução política, incansavelmente descrita no livro mostra isso. De um homem pró-Israel e pró-norte-americano, posição que não era trivial nem fácil de ser defendida 20 anos atrás em nosso país, torna-se cada vez mais um universalista e um ambientalista combativo. Por adotar ferrenhamente as evidências da ciência (mais objetivas e mais neutras politicamente), sente-se em terreno seguro e confortável para descrever a sua trajetória e a da FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável), instituição que criou nos idos de 1992 e que preside até hoje, revelando uma teia de relações, de conexões políticas e de teses saborosas se as analisamos com o mesmo tom generoso com que o autor as entrega para nós, leitores.

Mais do que a biografia da crise ambiental, o livro de Israel Klabin é uma autobiografia corajosa, e um desvelamento generoso, repito, de vários fatos importantes da nossa história recente. Trata-se de um livro de um homem lúcido, apaixonado e que deseja deixar a sua marca, seu legado.

Convido os leitores que se interessam pelos temas ambientais e pelas trajetórias de lideranças brasileiras que leiam o livro do Israel Klabin e se aflijam com ele, se o desejarem, na mesma janela de observação que o leva a se debruçar sobre a angústia, o drama e a urgência. Ou não. Trata-se de um livro com muitas informações técnicas, científicas até sobre a chamada “crise ambiental”, que pode servir a uma ampla gama de públicos que buscam esse olhar brasileiro, ainda que ele se autodefina como “um homem do mundo”.

* Samyra Crespo é historiadora, secretária de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente; concebeu e publicou as pesquisas “O que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente”.

** Publicado originalmente no site Revista Eco21.


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