Apesar da enorme repercussão midiática que teve, a principal proposta do candidato socialista Pérez Rubalcaba é pouco mais que um dedo querendo tapar o sol. Os números falam por si. Quando foi eliminado pelos socialistas, em 2008, o imposto permitia ao Estado arrecadar 2,121 bilhões de euros que eram destinados às comunidades autônomas. A taxa que o Partido Socialista Espanhol (PSOE) pretende reimplantar agora só arrecadaria 1,8 bilhões de euros anuais.
Após três décadas de uma política de diminuição da carga tributária para as grandes fortunas, os espanhóis decidiram, no calor da crise, ressuscitar o debate em torno do imposto que deve tributar os mais ricos. O pontapé inicial desse debate foi dado pelo candidato socialista à presidência, Alfredo Pérez Rubalcaba, que anunciou com pompa e circunstância o retorno do imposto sobre a riqueza, um tributo que o próprio Partido Socialista Espanhol (PSOE) , atualmente no poder, eliminou em 2008, quando a crise econômica dava seus primeiros passos.
O candidato conservador, Mariano Rajoy, evitou se pronunciar sobre o tema, ainda que as comunidades governadas pela direita já tenham advertido que não pensam em cobrar tal imposto. Por trás dessa ruidosa discussão esconde-se uma realidade vergonhosa: a Espanha é um dos países da Europa onde os ricos pagam menos impostos e mais sonegam suas obrigações com o fisco.
Apesar da enorme repercussão midiática que teve, a principal proposta eleitoral de Pérez Rubalcaba é pouco mais que um dedo querendo tapar o Sol. Os números falam por si. Quando foi eliminado em 2008, esse imposto permitia ao Estado arrecadar 2,121 bilhões de euros que eram destinados às comunidades autônomas. A taxa que o PSOE pretende reimplantar agora só arrecadaria 1,8 bilhões de euros anuais. Chegou-se a esta cifra após uma semana de confusão e eternas discussões nas fileiras socialistas, o que mostrou como é difícil para a classe política espanhola desembarcar de trinta anos de aplicação de políticas neoliberais.
A proposta inicial de Pérez Rubalcaba estava destinada a afetar entre 200 mil e 300 mil pessoas, embora a ministra de Economia, Elena Salgado, tenha reduzido essa cifra para 160 mil contribuintes, ao elevar o nível de riqueza necessário para pagar o tributo. Dessa forma, os espanhóis ricos deverão pagar só este ano e no próximo, já que a medida se anuncia como provisória, uma média de 6.750 euros por pessoa.
A proposta socialista provocou um grande alvoroço no país que foi reduzindo, durante os últimos trinta anos, os impostos sobre as grandes fortunas de maneira progressiva, independentemente do sinal político dos governos de plantão. A moda começou nos anos 1980, sob a administração do socialista Felipe González, continuou sob o governo do conservador José María Aznar e não parou com José Luís Rodríguez Zapatero.
Durante mais de trinta anos, não só se reduziram impostos, e com um caráter progressivo, como o que era aplicado às heranças, como se elaboraram inúmeros artifícios legais para permitir aos milionários driblar os impostos que permanecem vigentes.
Segundo a revista Forbes, dos 1.210 multimilionários que há no mundo, 15 são espanhóis e acumulam sozinhos US$ 63 bilhões de riqueza. Mas, a nenhum desses personagens, ocorreu fazer como Warren Buffett, o abastado empresário norte-americano que pediu ao governo de Barack Obama para que aumentasse o imposto sobre os ricos para contribuir com a superação da crise econômica. Na Espanha, a tendência é a contrária.
Quando, em maio de 2010, Hervé Falciani, um empregado furioso do banco HSBC vazou informações para a imprensa francesa sobre as contas secretas que muitos milionários europeus tinham no país, soube-se que mais de três mil ricos espanhóis encontravam-se entre os sonegadores. O escândalo, que envolveu a família Botín, proprietária do banco Santander, e outros sobrenomes ilustres, foi resolvido com um voluntário mea culpa dos implicados junto à agência tributária, que pode arrecadar 200 milhões de euros pelas evasões que tinham ocorrido entre 2005 e 2009. O caso terminou na justiça, mas a lentidão do processo faz presumir que, em breve, será arquivado sem pena nem glória.
Em um recente informe sobre a situação, o diário El País, de Madri, afirmou: “Na Espanha, o problema não é tanto que os ricos paguem pouco, mas sim que oficialmente quase não há ricos. Segundo os últimos dados disponíveis da agência tributária com o balanço da Declaração do IRPF (Imposto de Renda das Pessoas Físicas) de 2009, somente 6.829 contribuintes declararam ganhar mais de 601 mil euros nesse ano, o que representa apenas 0,035% do total de declarações (19.315.353). Uma cifra tão baixa de rendimentos milionários é pouco crível se se compara com outros estudos e estatísticas”, conclui o jornal. “Basta dizer que só o aumento de membros da alta direção das 35 companhias do Ibex – o índice da Bolsa de Madri – chegava a 513 e seus rendimentos médios foram de 754 mil euros”, acrescentou.
Diante desta situação, os políticos preferiram fazer vistas grossas. O caso extremo ficou a cargo da Convergência e União (CIU), a coalizão conservadora que assumiu, no ano passado, o poder na Catalunha, uma das regiões mais ricas do país. A CIU chegou ao poder anunciando grandes cortes no gasto público para enfrentar a crise e dois dos primeiros setores afetados foram a educação e a saúde. Mas, ao mesmo tempo em que sacavam suas tesouras reluzentes, os conservadores catalães aprovaram, na calada da noite, no parlamento, a eliminação do imposto sobre herança que tinha sido criado pela coalizão de centro-esquerda que governou a região até 2010.
Tradução: Katarina Peixoto.
* Oscar Guisoni é jornalista, correspondente na Espanha do jornal Página/12 da Argentina, do Il Manifesto da Itália, e do El Observador Global, portal de informação internacional latino-americano, e colaborador do suplemento dominical do jornal Milênio do México, da revista Arcadia da Colômbia, e da revista Gatopardo do México.
** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.