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O Sul não para de sofrer apesar de a UE limitar os biocombustíveis

Bruxelas, Bélgica, 21/9/2012 – A União Europeia (UE) estuda limitar a quantidade de biocombustíveis que utiliza no transporte, mas isto não deterá o grande impacto que tem essa política nos preços internacionais dos alimentos. Na verdade, seus efeitos se agravarão, alertam ativistas. Segundo as atuais disposições europeias, pelo menos 10% da energia para o transporte dentro do bloco deverão proceder de fontes renováveis até 2020, sobretudo de biocombustíveis derivados de trigo, soja e colza.

Mas, em uma ação sem precedentes, o comissário de Energia da UE, Günther Oettinger, e a comissária de Mudança Climática, Connie Hedegaard, anunciaram no dia 17 que a Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco, estuda reduzir a meta para 5%.

Bem às vésperas desse anúncio, a organização não governamental Oxfam havia apresentado um informe demonstrando que a ambição da Europa pelos biocombustíveis empurrava para cima os preços dos alimentos e deslocava populações de suas terras no Sul em desenvolvimento, dessa forma aprofundando a fome e a desnutrição nos países pobres.

A organização informou que, apesar de os preços da soja e do milho chegarem aos seus máximos históricos em julho e os preços dos cereais e do óleo manterem seus pontos mais altos em agosto, a Comissão e a maioria dos governos europeus parecem ter ignorado os efeitos devastadores que sua política estava tendo no Sul em desenvolvimento.

Em entrevista coletiva, Oettinger reconheceu que a política da UE teve “derivações infelizes, como o corte de florestas para produzir biocombustíveis”. Portanto, todos os ministros do bloco concordaram em reduzir pela metade a cota de biocombustíveis procedentes de cultivos e destinados ao transporte. Os 5% restantes serão cobertos por combustíveis fabricados a partir de “produtos de segunda geração, como dejetos agrícolas e sobras”, afirmou.

“Estou satisfeito que a Comissão Europeia finalmente reconheça que o uso de cultivos alimentares para produzir combustível é problemático”, disse Ruth Kelly, conselheira em políticas econômicas da Oxfam e autora do último informe da organização. “Mas, colocar um teto de 5% é ridículo. Neste momento o uso de biocombustíveis na UE chega apenas a 4,5%. Assim, a nova meta é, na verdade, um aumento em relação ao que se utiliza atualmente”, acrescentou.

“Em 2008, os biocombustíveis representaram 3,5% de todos os combustíveis na UE”, disse Kelly à IPS. “Nesse mesmo ano, a terra necessária para cultivar os produtos destinados à fabricação desses biocombustíveis poderia ter alimentado 127 milhões de pessoas”, acrescentou. “A meta de 5% não é o dobro, mas é significativamente mais, e aumentar a porcentagem obviamente não é o que se deve fazer agora, considerando os efeitos negativos que vivemos em todo o mundo”, ressaltou.

Dados da Oxfam mostram que as terras adquiridas para a produção de biocombustíveis nas Filipinas em 2010 poderiam ser usadas para colher mais de 2,4 milhões de toneladas de arroz, o suficiente para esse país ser autossuficiente nesse produto. Recente estudo da Coalizão Internacional para o Acesso à Terra indica que dois terços dos grandes acordos de aquisição de terras nos últimos dez anos tiveram o objetivo de produzir biocombustíveis com base em soja, cana-de-açúcar, óleo de palma e jatrofa.

O Paraguai também foi duramente afetado pela demanda de biocombustíveis da UE. Segundo a investigação da Oxfam, a cada ano nove mil famílias rurais são deslocadas nesse país e cerca de meio milhão de hectares se convertem em campos de soja. Além disso, para as famílias que vivem ao lado das plantações de soja no leste paraguaio, cultivar se tornou quase impossível. A água é cada vez mais escassa, já que grande parte dos recursos hídricos locais são usados para irrigar essas plantações destinadas à fabricação de biocombustíveis.

Portanto, as comunidades devem cavar poços com o dobro de profundidade para obter água potável. Mais da metade da soja cultivada no Paraguai é exportada para a Argentina, e grande parte desta é usada para produzir combustível para o mercado argentino e europeu.

“O principal problema é que a política de biocombustíveis da UE gera uma importante demanda no Sul”, explicou Constantino Casasbuenas Morales, assessor para justiça econômica da Oxfam e especialista no tocante ao Paraguai. “Os países relativamente pequenos como Honduras ou Paraguai modificam suas estratégias nacionais para abrirem-se ao investimento estrangeiro”, acrescentou. “Assim, pequenos produtores são deslocados de suas terras e obrigados a se mudarem para as capitais. A demanda por biocombustíveis está claramente vinculada com a concentração de terras, as crescentes populações urbanas e o aumento da pobreza”, destacou. Envolverde/IPS