Peshawar, Paquistão, 21/6/2013 – Os Estados Unidos preparam meticulosamente sua retirada do Afeganistão para 2014, mas claramente omitiram o impacto que seus ataques com aviões não tripulados causarão nas áreas tribais do vizinho Paquistão em sua tão pensada proposta. Rebeldes armados pertencentes à Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP) incendiaram na semana passada três contêineres repletos de insumos para os soldados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Afeganistão, que se dirigiam para a passagem fronteiriça de Torkham, nas montanhas da província de Jyber Pajtunjwa.
Os insurgentes alegaram que o atentado contra o comboio de 12 contêineres foi em represália pelo ataque com drones (aviões não tripulados) no dia 29 de maio, quando morreu o dirigente do TTP, Waliur Rehman, no Vaziristão do Norte, uma das sete Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), no Paquistão. O incidente do mês passado elevou os ataques com drones na região para cerca de 355 desde 2005.
O governo dos Estados Unidos fez vista grossa às várias formas de protestos contra sua guerra remota, desde marchas civis até declarações governamentais, mas o incêndio de veículos da Otan pode marcar um ponto de inflexão em sua controvertida política externa.
Mohammad Mushtaq, da Associação de Provedores da Otan (um coletivo de motoristas e proprietários, entre outros, que participam do transporte de suprimentos para o outro lado da fronteira), disse à IPS: “Desde 2008, mais de cinco mil veículos da Otan foram incendiados em Peshawar e na agência Jyber, tudo na rota para o Afeganistão, para repor as forças da guerra contra o terrorismo desde 2002”.
No processo, prosseguiu, não só reduziram a cinzas cerca de US$ 10 milhões em equipamentos e suprimentos, como mais de 500 pessoas, entre elas motoristas, perderam a vida. Em dezembro de 2008, 160 caminhões da Otan com veículos militares Humvees, rumo ao Afeganistão, foram incendiados em um único ataque perto de Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa, contou Mushtaq. Em seguida, os combatentes desfilaram triunfalmente entre a nuvem de chamas que escurecia o céu.
A maioria dos veículos enviados ao Afeganistão leva equipamento militar, alimentos e outros suprimentos de logística para cerca de cem mil soldados, explicou à IPS o major da reserva Anwar Jan, analista de assuntos de segurança. “Essa mesma rota provavelmente será usada para retirar os equipamentos pesados, bem como os soldados”, acrescentou. Por isso, se continuarem os ataques com drones, os Estados Unidos correm o risco de deixarem vulnerável sua principal rota de entrada e saída.
Jan disse que Washington e seus sócios da coalizão na “guerra contra o terrorismo” devem rever sua estratégia militar se estão decididos a respeitar a data de retirada de 2014. “Do contrário, as possibilidades de sua retirada e de paz no Paquistão e Afeganistão continuarão sendo um sonho”, ressaltou.
Quando as forças lideradas pelos Estados Unidos expulsaram o movimento islâmico Talibã de Cabul, em 2001, marcaram o início de uma guerra que se prolongou por uma década. Membros do regime deposto, junto com seus partidários, fugiram para as montanhas, que formam a fronteira de 1.200 quilômetros de comprimento entre Afeganistão e Paquistão.
Isso levou Istambul a jogar com toda sua força, junto com os Estados Unidos, na esperança de impedir que os rebeldes se assentassem em suas próprias e instáveis zonas tribais. Contudo, a promessa de destruir a rede extremista Al Qaeda, responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, não deu resultado positivo. Na verdade, numerosos analistas observaram que os insurgentes estão mais fortes do que antes.
No contexto da alta de custos, de uma crescente quantidade de mortos e da forte oposição pública à guerra, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinou em maio um Acordo de Associação Estratégica com seu colega do Afeganistão, Hamid Karzai, acertando a retirada das tropas para o próximo ano. Entretanto, especialistas como Pervez Jamal, professor de ciências políticas da Universidade de Peshawar, acreditam que esse plano possa fracassar, a não ser que sejam tomadas medidas imediatas para aplacar o TTP. Como disse Jan, “os veículos incendiados já encareceram a guerra contra o terrorismo para os Estados Unidos e seus aliados”.
Atualmente, 70% dos envios para as forças ocidentais postadas no Afeganistão passam pelo Paquistão. Chegam por navio ao porto de Carachi, no Mar Arábico, e depois atravessam três mil quilômetros até a base aérea de Bagram, em Cabul. O governo paquistanês ordenou o fechamento dessa rota direta em novembro de 2011, quando forças norte-americanas atacaram um posto de segurança na agência de Mohmand, nas Fata, e mataram 24 soldados.
Sem rota terrestre, os Estados Unidos tiveram que buscar uma alternativa, vias aéreas através da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas, fronteiriças com o Afeganistão. Durante esse tempo, o custo do transporte de suprimentos passou de US$ 17 milhões para US$ 104 milhões. Incapaz de manter o gasto, Washington pediu desculpas pelo ataque e conseguiu reabrir a rota em 2012, no entendimento de que permaneceria aberta até 2015, para facilitar a retirada paulatina do Afeganistão. Mas agora o acordo corre perigo.
A queima de suprimentos também supõe um perigo para os dez mil soldados que deverão ficar no terreno para dar assistência aos 350 mil integrantes das Forças de Segurança Nacional do Afeganistão. Atualmente a força de segurança local carece de equipamento militar e formação. Sem a promessa de reforços, alguns especialistas afirmam que não poderão resistir a uma usurpação de poder dos insurgentes.
O analista de guerra Javed Hasham, radicado em Peshawar, disse à IPS que o Talibã é capaz de destruir comboios facilmente. A passagem de Torkham é um cruzamento de montanha muito exposto, sem postos avançados ao longo do caminho. Os talibãs, familiarizados com o terreno, têm esconderijos nas montanhas, bem como casas de onde vigiam o caminho sinuoso.
Os atentados contra comboios registraram uma acentuada queda nos últimos quatro meses, mas voltaram nos últimos tempos, em ração do aumento de ataques com drones. “A única forma de continuar avançando é os Estados Unidos suspenderem os ataques com drones”, ressaltou Hasham. Envolverde/IPS