Crise da moeda europeia não é apenas financeira, mas também política.
Qualquer um que luta para entender o motivo da Europa parecer incapaz de dar um fim à crise do euro pode encontrar resposta em um tenso jantar, durante um encontro em outubro do ano passado. Na ocasião, o tema da discussão era uma exigência feita dias antes pelos líderes da França e da Alemanha, em Deauville, de mudanças em um tratado para criar um sistema permanente de resgate para países incapazes de pagar suas dívidas. Todos protestaram. Foram necessários anos de discussão para chegar a um acordo quanto ao Tratado de Lisboa, que acabara de entrar em vigor. Mas, no fim, todos se curvaram à chanceler alemã Angela Merkel, que queria evitar qualquer desafio ao novo sistema por parte do tribunal constitucional alemão.
No entanto, Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), tinha outras preocupações: a exigência de Merkel, de que futuros resgates incluíssem “participação adequada de credores privados”, significava perdas para os portadores de títulos. Trichet conclui que isso agitaria os mercados, que ainda se recuperavam da crise grega na primavera. “Você não entende a gravidade da situação…”, começou a dizer Trichet. Mas ele foi interrompido pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy. “Talvez você fale com os bancos. Mas nós respondemos aos cidadãos”, disse o compatriota de Trichet. Merkel então interveio: contribuintes não podem receber a tarefa de arcar com todas as despesas, especialmente depois de terem pago pela salvação dos bancos.
Os políticos tiveram seu grande momento. Mas as preocupações de Trichet se confirmaram, e o contágio levou a crise à Itália. A discussão na mesa de jantar ilustra como, durante a crise da dívida pública, os pré-requisitos do controle da crise financeira colidiram com prioridades políticas, legais e emocionais. De fato, as preocupações da zona do euro são tão políticas quanto financeiras. Políticos europeus, como Trichet, defendem a ideia de que a dívida e o déficit da zona estão numa situação melhor que a dos Estados Unidos. Ainda assim, a Europa sofre com a falta de grandes orçamentos federais e instituições financeiras para redistribuir a renda e absorver choques econômicos. O continente também não tem uma política única para mediar as tensões internas e entre os países-membros. Já é difícil fazer com que californianos se interessem em salvar banqueiros de Wall Street. Não é uma surpresa, portanto, que alemães se enervem ao resgatar burocratas gregos.
Mas os políticos da Europa não podem colocar toda a culpa em sua escassez de ferramentas para reverter o cenário. Sua inconsistência quanto a cobrar ajuda por parte dos credores contribuiu para o contágio da crise. Seus primeiros empréstimos de emergência impuseram duras condições à Grécia, mas nenhuma aos banqueiros. De fato, a criação do grande fundo de resgate deveria fazer da moratória uma alternativa impensável. Em Deauville, no entanto, Merkel e Sarkozy queriam torná-la uma possibilidade: a dívida atual ficaria salva, disseram eles, mas os líderes terminaram concordando que, a partir de 2013, os países devem emitir novos tipos de títulos que possam ser mais facilmente atingidos se a economia do país entrar em apuros. Agora a Grécia precisa de um novo resgate, a moratória é iminente, e os alemães e holandeses ameaçam intervir, e querem que os credores privados contribuam imediatamente.
Isso levou a uma disputa pública com Trichet, que afirma que mesmo a menor reprogramação da dívida gera o risco de consequências semelhantes ao colapso da Lehman Brothers. Trichet ainda ameaçou cortar o crédito dos bancos gregos caso haja qualquer espécie de moratória, o que levaria muitos deles à falência. É compreensível, portanto, que os investidores estejam evitando os vulneráveis títulos da zona do euro.
Para piorar, em conversas com os credores da Grécia, países da zona do euro passaram as últimas semanas buscando metas contraditórias. Seguindo ordens de Berlim e Haia, eles buscaram uma contribuição “substancial” por parte dos portadores de títulos, mas para satisfazer as vontades do BCE, essas contribuições deveriam ser “voluntárias”. Ministros financeiros em Bruxelas aceitaram parcialmente a “moratória seletiva”, desde que ela seja de curto prazo e não gere pagamentos em swaps de crédito. Para aliviar o fardo da Grécia, ministros parecem prontos para emprestar dinheiro para a compra de títulos existentes, e para baixar a taxa de juros de seus empréstimos.
Esse acordo ainda pode sair caro. Dependendo do grau de coerção, os credores abrirão mão de € 30 bilhões para as necessidades financeiras da Grécia até 2014. Irlanda e Portugal podem precisar de medidas semelhantes.
Em um grupo de democracias, no qual grandes decisões são tomadas pela unanimidade, a obtenção do consenso é algo difícil e demorado, o que explica porque os líderes agiram apenas na iminência do desastre e com medidas pela metade. No entanto, os mercados operam em cronogramas mais acelerados, e não esperarão até que os líderes europeus tomem as decisões corretas depois de esgotar todas as alternativas.
* Publicado originalmente pelo The Economist e retirado do site Opinião e Notícia.