Praga, República Checa, 24/11/2011 – Milhares de pessoas em dezenas de países carregam sequelas permanentes causadas por castigos corporais empregados para combater o vício em drogas. Mais de 40 países contemplam penas de golpes, surras e açoites, baseados em seu suposto poder de dissuadir o consumo de drogas, segundo um estudo da organização Harm Reduction International (HRI), que trabalha em políticas de redução de danos derivados do uso de drogas.
Estes castigos, além de violarem o direito internacional, carecem de todo poder de dissuasão, segundo especialistas. As condenações à morte por narcotráfico costumam ocupar manchetes nos jornais, mas os castigos corporais pela justiça estão mais generalizados e são igualmente graves, afirmam defensores dos direitos humanos.
A autora do estudo “Inflicting Harm: Corporal Punishment for Drug and Alcohol Offences in Selected Countries” (Infligindo um Dano: Castigo Corporal por Crimes de Uso de Álcool e Drogas em Países Selecionados), Eka Iakobishvili, disse à IPS que não há “dados que confirmem que os castigos levem as pessoas a deixar de consumir, e está amplamente aceito que a dependência é isso mesmo, dependência, e que o castigo não a deterá. É um problema silencioso tão grave como a pena de morte para crimes de tráfico de drogas que, em lugar de ajudar os viciados, de fato, exacerba o consumo”.
Os castigos corporais estão previstos em códigos penais e, em alguns casos, na shariá (lei islâmica), e são usados para numerosos delitos, segundo a HRI. Não há dados oficiais sobre a quantidade de pessoas condenadas a essas punições, mas informações obtidas de presos e fontes de inteligência levam a estimar que milhares, e possivelmente dezenas de milhares, inclusive mulheres e crianças, são açoitadas, apedrejadas ou apanham de vara a cada ano. Os castigos não são pensados para matar, mas causam enorme dor e danos tão graves que algumas pessoas acabam morrendo.
Em um informe publicado no ano passado pela Anistia Internacional sobre castigos corporais na Malásia, um homem açoitado contou sua experiência. “Foi pior do que um acidente de trânsito. Foi como se cortassem meu braço e colocassem pimenta na ferida.” Outro descreveu o castigo como “se estivessem me queimando e cortando com uma faca”. Nesse país, quem é pego com droga apanha de vara.
O informe também inclui testemunhos de pessoas que desmaiaram de dor e suplicaram piedade aos guardas. Alguns falaram de um sofrimento persistente durante meses e anos, e outros sobre cicatrizes permanentes. Também há casos de instabilidade emocional, angústia, ansiedade e pesadelos recorrentes. As vítimas de castigos corporais apresentam sinais de estresse pós-traumático, segundo psicólogos.
Castigar fisicamente o vício não deixa danos apenas nos viciados, mas piora o hábito, disse a HRI. “A intenção do castigo é humilhar, envergonhar e rebaixar uma pessoa. As consequências podem durar muito tempo. Em alguns casos, os castigos são públicos, o que acrescenta o peso da vergonha social”, afirmou Iakobishvili à IPS. Assim, cria-se “uma sensação de vergonha nos viciados que aumenta o ódio contra elas mesmas, as leva a consumir drogas mais duras e agrava a situação”, acrescentou.
Quanto à capacidade de dissuasão, argumentada pelas autoridades da Malásia, até os próprios guardas reconhecem que não existe e que seria mais efetivo criar programas de desintoxicação.
O diretor-executivo da HRI, Rick Lines, disse à IPS que as “políticas efetivas são as que respeitam os direitos humanos, os padrões internacionais e a evidência científica sobre tratamentos efetivos. O castigo corporal perde nas três provas. Não passa de um governo se brutalizando para solucionar um problema”. Alguns governantes mencionam textos religiosos para justificar a violência física. Mas essas interpretações são questionadas por autoridades religiosas e teólogos.
O relator especial da Organização das Nações Unidas, Juan Méndez, disse que os castigos físicos violam a proibição legal da tortura e dos tratamentos cruéis desumanos ou degradantes, e que os governos não podem argumentar a existência de leis nacionais para justificar sua utilização.
“O sistema judicial de muitos dos países nos quais baseamos o estudo se regem pela shariá e recorrem a ela para aplicar os castigos. É preciso maior discussão acadêmica a respeito. Isso ajudaria”, alertou Iakobishvili. Os governantes da Malásia costumam se fazer de surdos aos chamados para acabar com essas práticas. No entanto, segundo a HRI, há sinais positivos. “Durante a pesquisa conversamos com autoridades que disseram que estava em discussão uma pronta revogação do castigo corporal”, disse Iakobishvili à IPS. Envolverde/IPS