Vinhedo perto de Los Árboles no Vale de Uco, em Mendoza, frente aos Andes. Foto: Licença Creative Commons.

Vinicultores, cientistas, técnicos governamentais e da sociedade civil buscam elaborar um plano estratégico sobre mudança climática até 2020, que inclua todas as regiões produtoras de vinho da Argentina.

Luján de Cuyo, Argentina, 17 de outubro de 2011 (Terramérica).- Mesmo alterações leves de temperatura podem prejudicar a qualidade do vinho, uma indústria refinada ao longo de séculos, em estreito laço com solos e microclimas locais. Na província de Mendoza, recostada na Cordilheira dos Andes, no oeste da Argentina, vinhedos e vinícolas já se preparam para entender – e aproveitar, se for possível – o que lhes reserva a mudança climática.

Estamos na região de Cuyo, montanhosa e árida, que concentra a principal produção vinícola da América do Sul, tanto em superfície cultivada quanto em quantidade de vinho. “Há indícios de que algumas mudanças estão ocorrendo na temperatura e também no regime de chuvas, e isso pode afetar a qualidade dos vinhos”, disse ao Terramérica o agrônomo Martín Cavagnaro, de Mendoza.

Um grupo de vinicultores desta província é o mais preocupado em impulsionar o desenvolvimento de conhecimentos para uma adaptação ao aquecimento global, segundo Cavagnaro, coordenador do Fórum Intersetorial Argentino pela Vinicultura Sustentável (Fiavis), que uniu vinícolas, cientistas, instituições governamentais e da sociedade civil.

O clima de base define o tipo de vinho que uma região pode produzir. E a variabilidade do clima determina diferenças de qualidade dos mostos de uma vindima para outra. A mudança climática incide no clima de base e na variabilidade e, por isso, pode “produzir mudanças na personalidade dos vinhos regionais”, diz o informe “Efeitos da Mudança Climática sobre a Indústria Vinícola da Argentina e do Chile”, publicado em 2009 pela consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC).

Na região vinícola sul-americana que se estende dos dois lados dos Andes, a temperatura mínima em 2050 terá aumentando mais de um grau em relação à atual, e as chuvas continuariam diminuindo, indica o estudo, que se baseia nos cenários socioeconômicos A2 e B2 traçados pelo Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática. A maioria dos rios terá menos caudal, por isso a irrigação será mais necessária do que agora, e poderá haver ventos mais fortes em algumas áreas.

Cada variedade de videira tem zonas climáticas ótimas para se desenvolver, como a malbec no Cuyo. “A temperatura e outras condições físicas do solo têm uma influência direta durante a maturação”, alerta o estudo da PricewaterhouseCoopers. Se o ambiente é muito frio, a uva não terá a necessária concentração de açúcar e dará um vinho escasso em aroma, com muita acidez e de cor pobre. Se o calor é excessivo, os problemas serão inversos.

Em Luján de Cuyo, a 18 quilômetros da capital de Mendoza, a malbec é a variedade por excelência, e sua fama é mundial. Aqui reinam as propriedades com seus ordenados vinhedos. Algumas têm suas próprias vinícolas, como a famosa Norton, fundada em 1985 e que exporta para mais de 60 países. A empresa tem 1.200 hectares de vinhedos e produz aproximadamente 120 mil hectolitros por ano de diferentes variedades, combinando o cuidado artesanal em barris de carvalho com modernos tanques de aço que permitem um controle exato da temperatura.

Com 16,3 milhões de hectolitros, a Argentina é o quinto maior produtor de vinho do mundo, o nono em extensão de videiras e oitavo em quantidade de uvas, segundo as estatísticas da Organização Internacional da Vinha e do Vinho para 2010. Apesar de os impactos do aquecimento não afetarem igualmente todas as videiras e zonas, pode determinar “a viabilidade futura de uma região para produzir determinada variedade que, no presente, não é explorada”, diz o estudo. Ou, vice-versa.

“Sabemos que há variedades que antes não se adaptavam ao clima e que agora, com aumento da temperatura, podem render bem, por isso acreditamos que a fronteira vinícola pode se estender”, disse Cavagnaro. E já está se estendendo. Um vinhedo de 20 hectares vive e prospera na austral e fria província de Chubut. “Antes isto era impensável”, assegurou o agrônomo. Contudo, cada pedaço da oscilante geografia andina e de Cuyo tem seu próprio microclima e solo, e as videiras que melhor se adaptam a eles. No momento é impossível traçar modelos climáticos com esse grau de precisão.

Para Cavagnaro, o estudo de PwC inclui uma região muito ampla. O mesmo disse o também agrônomo Pablo Minatelli, da Norton. “A escala geográfica dos modelos é gigante em relação aos vales e às propriedades. Existe um alto grau de incerteza”, disse ao Terramérica. O Fiavis é uma tentativa de “avançar no conhecimento dessas variáveis”, acrescentou. “Nos ajudará a colocar em evidência problemas agora ocultos ou desconhecidos, e tentar evitá-los”, concluiu Minatelli.

Criar conhecimentos e difundi-los é a primeira e mais necessária medida de adaptação. Otimizar o uso da água e do solo, modernizar as técnicas de semeadura, mudar certas variedades para regiões mais altas e frias, substituir outras e lançar mão da melhoria genética, são algumas das ações recomendadas. De fato, o aquecimento está causando alterações em outras regiões vinícolas do mundo, e na Austrália, Nova Zelândia e Chile são desenvolvidas novas variedades genéticas que possam melhor se adaptar às secas sem alterar a qualidade, ressaltou Cavagnaro.

O Fiavis também contribuirá para a obtenção de financiamento para pesquisas e intercâmbio de experiências sobre outros requisitos de exportação, com a redução das pegadas de carbono e hídrica geradas pela vinicultura. Além disso, não se trata de trabalhar apenas para Mendoza, onde estão os principais vinhedos. É preciso incluir outras regiões que também produzem vinho, como Salta, no norte, ou Río Negro, no sul. De fato, há vinicultura em 12 províncias argentinas.

“Queremos sensibilizar os produtores sobre os benefícios do desenvolvimento sustentável e elaborar um plano estratégico para 2020 que inclua todas as regiões vinícolas do país”, anunciou Cavagnaro. Para essas projeções, o fórum contará com o Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais, que estuda o comportamento das geleiras andinas.

A irrigação no Cuyo provém do degelo de alta montanha e das geleiras, outra razão de o aquecimento ser uma preocupação central da região. Mendoza foi a primeira província a criar uma agência governamental dedicada exclusivamente a analisar o impacto da mudança climática.

* A autora é correspondente da IPS.

LINKS

Chile mede sua “pegada de água”

Vinho, café e cacau orgânicos buscam nichos de mercado, em espanhol

O vinho corre à sombra do Hezbolá, em espanhol

Indústria do vinho se internacionaliza, em espanhol

Os vinhos conquistam o mundo, em espanhol

As rotas do vinho argentino, em espanhol

Instituto Nacional de Vitivinicultura de Argentina, em espanhol

Bodega Norton, em espanhol e inglês

Efeitos da Mudança Climática sobre a Indústria Vinícola da Argentina e do Chile, pdf em espanhol

Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais, em espanhol

Organização Internacional da Vinha e do Vinho, em espanhol, inglês, alemão, francês e italiano

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.