Miami, Estados Unidos, abril/2011 – Se o presidente Barack Obama tivesse os poderes que a mitologia da hegemonia mundial lhe atribui, teria programado sua agenda das últimas semanas sem incluir as crises de Tunísia, Egito e agora Líbia. Tampouco teria aceitado uma viagem (e menos ainda nas atuais circunstâncias) que o levou a Brasil, Chile e El Salvador. Enquanto se satisfazia com a iniciativa de Nicolas Sarkozy de abrir fogo sobre Muammar Gadafi, Obama começava seu giro latino-americano na modernista Brasília e no sempre atraente cenário do Rio de Janeiro.

Mas sua mente estaria em Bengasi e o canto dos olhos voltados a Teerã. O cenário latino-americano, cuidadosamente escolhido para evitar atritos com os membros da Alba chavista, sua preocupação (o desdém com que Washington ciclicamente trata seus vizinhos do Sul) se voltava para o México. Seu vizinho sangra na cruel guerra devido ao narcotráfico e ao câncer da corrupção. A penúltima vítima diplomática foi Carlos Pascual, o demitido embaixador de Obama, devido às revelações do Wikileaks, que converteram o exercício de seu cargo em problemático, inaceitável para o presidente Felipe Calderón.

As opiniões de Fidel Castro (seu irmão já tem outros problemas) sobre as intervenções ocidentais no Norte da África tiram menos o sono dos sofridos subalternos de Hillary Clinton no Departamento de Estado do que as grosserias de Chávez desde a Venezuela. No entanto, os incômodos de Obama em sua viagem começaram com o desplante de Luiz Inácio Lula da Silva. Convidado, como todos os anteriores presidentes democráticos do Brasil, para um almoço em homenagem a Obama, decidiu não comparecer. A presidenta Dilma Rousseff suspendeu uma entrevista coletiva na qual teriam sido feitas perguntas comprometedoras para ela e para o mandatário norte-americano.

O pano de fundo foi a abstenção do Brasil na histórica votação do Conselho de Segurança com relação ao ultimato a Gadafi e ao sinal de partida para a intervenção militar na Líbia. Os anfitriões de Obama, dessa maneira, subiam no trem de China e Rússia. A Alemanha de Merkel fugia da marcação da iniciativa de seu grande amigo Sarkozy. Assim, se punha em questão o exageradamente aplaudido eixo franco-germano para salvar o euro.

Quando os assessores de Obama se perguntavam se poderia ser verdade o desenlace comparativamente pacífico (de momento) das crises da Tunísia e do Egito, estourou a crise da Líbia. Suas consequências, apesar da contundência da decisão do Conselho de Segurança, são imprevisíveis, embora a meta de atirar de cima em Gadafi tenha sido compartilhada por quase todos os líderes do chamado mundo ocidental.

Embora o veredito final ainda dependa de uma solução “à egípcia’’, pode-se aventurar um balanço do que foi alcançado pelos Estados Unidos e os posicionamentos de alguns aliados europeus imprescindíveis. No pódio de vencedores neste primeiro capítulo deve-se destacar o papel estelar do Conselho de Segurança. Uma exceção na história das Nações Unidas, a resolução foi possível pela liderança dos principais protagonistas (Estados Unidos, França e Grã-Bretanha).

Neste trio, certamente, se destaca a França liderada pelo hiperativo Sarkozy, recompensado por começar as ações na Líbia. Era o mínimo que se podia esperar do que (temerariamente, segundo inúmeros observadores) se havia adiantado com o reconhecimento dos representantes da oposição Líbia como interlocutores válidos. Era a forma de o mandatário francês responder à acusação de Gadafi com relação a um suposto financiamento de sua campanha eleitoral.

Provisoriamente, perdedora foi a União Europeia, embora esteja dignamente representada por seus principais membros (menos Alemanha). A impossibilidade de conseguir a necessária unanimidade nas decisões do Conselho revelou por uma vez a superioridade do sistema de votação da ONU. Mas, como ocorreu outras vezes, de uma derrota Bruxelas tira lições. Envolverde/IPS

*Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).