Arquivo

A OCDE abre nova luta contra a evasão fiscal

Os países pobres são os mais afetados pela evasão fiscal. Foto: Kristin Palitza/IPS
Os países pobres são os mais afetados pela evasão fiscal. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 18/2/2014 – O grupo dos principais países ricos apresentou um novo modelo de intercâmbio automático de informação financeira, que pretende atacar melhor a bilionária evasão fiscal no mundo. Os partidários de atuações de transparência financeira mais rígidas saudaram a medida, anunciada no dia 13 pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), formada por 34 países do Norte industrial e do Sul em desenvolvimento.

Porém, os ativistas que lutam contra a pobreza alertam que os países em desenvolvimento não foram incluídos nas negociações do novo padrão global único sobre intercâmbio automático de informação. Na verdade, ainda não está claro como o padrão vai incluir as nações mais pobres, apesar de os países em desenvolvimento serem os mais afetados pela evasão fiscal no mundo.

“Isso é uma verdadeira mudança. A globalização do sistema financeiro mundial fez com que seja cada vez mais simples para as pessoas realizarem, manterem e manejarem investimentos fora de seus países de origem”, afirmou o secretário-geral da OCDE, o mexicano Ángel Gurría, ao apresentar o modelo. “Este novo padrão sobre o intercâmbio automático de informação aumentará a cooperação tributária internacional, o que coloca os governos em maior igualdade de circunstâncias, ao mesmo tempo em que buscam proteger a integridade de seus sistemas fiscais e lutam contra a evasão de impostos”, acrescentou.

A nova proposta surge em um momento de crescente descontentamento da população, em particular após a crise financeira mundial, iniciada em 2008. Calcula-se que as empresas e as pessoas ricas ocultam cerca de US$ 20 trilhões no exterior para evitar impostos nos países de origem. Essa sensação de descontentamento coincide com as crescentes restrições ao gasto público, a nova aplicação de impopulares medidas de austeridade e funcionários que buscam maneira de aumentar o fluxo da renda nacional.

A OCDE elaborou o novo padrão a pedido do Grupo dos 20 (G-20) países desenvolvidos e emergentes, e vai apresentá-lo formalmente na reunião ministerial do G-20, nos dias 22 e 23 deste mês em Sidney, na Austrália. A norma foi adotada provisoriamente na cúpula do G-20 realizada em setembro na Rússia. Se for aprovada, implicará mudanças radicais na transparência financeira mundial, cujos partidários afirmam que ocorreu com surpreendente velocidade.

“Há apenas cinco anos ninguém falava sobre esse assunto, a maioria dizia que era uma utopia”, pontuou Heather Lowe, diretora de assuntos governamentais do observatório Global Financial Integrity (GFI), com sede em Washington. “É fantástico que agora todo o mundo reconheça que o intercâmbio automático fiscal é necessário para tapar algumas lacunas do sistema financeiro internacional, que permitem ocultar fundos ilícitos”, afirmou à IPS.

A norma da OCDE teria como resultado os países participantes compartilhando automaticamente informações sobre contas bancárias, ganhos e outros interesses gerados no exterior. Antes, os governos tinham que solicitar formalmente essa informação e frequentemente era um processo demorado que podia ser parado facilmente.

Alguns aspectos importantes do novo padrão se baseiam na histórica Lei de Cumprimento Fiscal de Contas Estrangeiras (Fatca) dos Estados Unidos, que a OCDE afirma ter tido um “papel fundamental” na criação do novo modelo. Desde sua aprovação, em 2010, a Fatca obstaculizou as negociações internacionais ao solicitar às instituições financeiras no estrangeiro que apresentem informação sobre clientes norte-americanos.

“O anúncio da semana passada destaca que promover a transparência fiscal é uma prioridade mundial e estamos orgulhosos de liderar uma iniciativa sobre este tema grave mediante a aplicação da Fatca e da estreita colaboração com nossos sócios do G-20”, afirmou o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, em uma declaração à IPS. A nota acrescenta que “esperamos que o G-20 aprove a norma comum de apresentação de informação para dar um novo impulso à nossa rede de acordos intergovernamentais, já que os países percebem até que ponto nossos acordos-modelo se ajustam à nova norma internacional”.

A OCDE afirma que mais de 40 países já aceitaram adotar o novo padrão. Porém, os países mais pobres até o momento estão, em grande medida, à margem do processo, apesar de uma cúpula dos países mais industrializados do mundo ter declarado, em julho de 2013, que a principal motivação de um eficaz intercâmbio de informação fiscal seria ajudar os países em desenvolvimento a arrecadar o que devem.

“Esse modelo é considerado uma norma mundial, mas só será mundial se todos os países aderirem a ele, incluídas as nações em desenvolvimento”, afirmou Lowe. “Do contrário, acabaríamos por criar um sistema em que os países ricos ficariam mais ricos e os pobres seriam cada vez mais pobres, já que seus funcionários e empresários ricos continuariam colocando capital no estrangeiro para evitar as autoridades tributárias”, ressaltou.

Outros grupos criticam a exclusão dos países em desenvolvimento do processo de negociação do novo modelo da OCDE. “Estima-se que há cerca de US$ 9 trilhões ocultos das autoridades fiscais no estrangeiro em países em desenvolvimento”, apontou no dia 13 Joseph Stead, assessor de justiça econômica da Christian Aid, uma organização britânica sem fins lucrativos.

A seu ver, “esses governos precisam de informação tanto como os países desenvolvidos, mas lhes foi dito que devem esperar”. Stead afirmou que “queremos que o Reino Unido, a OCDE e o G-20 se comprometam a participar de um processo que permita aos países em desenvolvimento fazer parte do novo sistema e começar a se beneficiarem dele antes que tenham que suportar os gastos”.

O plano da OCDE aponta dois processos dirigidos pelo G-20, cujo objetivo é determinar como incluir os países em desenvolvimento no modelo de intercâmbio de informação fiscal. O primeiro projeto será publicado em setembro e demonstrará “como as nações em desenvolvimento podem superar os obstáculos à participação na norma de intercâmbio automático e como ajudá-los para que cumpram a norma”.

Embora a norma seja necessária, provavelmente encontre pelo menos dois obstáculos, ao tentar começar a regular o intercâmbio de informação fiscal com os países em desenvolvimento. Primeiro, apesar de o modelo da OCDE solicitar “reciprocidade” no intercâmbio de informação, muitos países em desenvolvimento atualmente carecem de capacidade técnica básica para colocar essa informação à disposição.

Apesar de já existirem programas para oferecer assistência financeira e de capacitação, o GFI e outros grupos independentes pedem aos doadores das instituições multilaterais e do G-20 que priorizem esse trabalho na medida em que o modelo avançar. Um segundo obstáculo poderia ser a resistência de determinados governos ou funcionários dos países em desenvolvimento em permitir que seus sistemas sejam alvo de mais exames, devido a preocupações de corrupção passada ou futura.

“Evidentemente, trata-se de um assunto muito delicado, mas em determinados casos já não se tratará do que quer o governo, mas do que é bom para a população dos países em desenvolvimento”, enfatizou Lowe. “Felizmente, creio que há um movimento cada vez maior de gente em todo o mundo que se mobiliza contra o dinheiro ilícito, para seguir o rastro e devolvê-lo aos países em desenvolvimento”, pontuou.

Se este movimento continuar crescendo, “se pressionará os governos dos países em desenvolvimento para que participem e dependerá de outros apoiar esses movimentos de base”, destacou.

O Sul em desenvolvimento, a grande vítima

Os países em desenvolvimento perderam US$ 903 bilhões em fluxos ilícitos em 2009, apesar da grande crise financeira que sacudiu a economia mundial em 2008. Esses fluxos de capital provêm do crime, da corrupção, da evasão fiscal e de outras atividades ilegais.

Segundo o GFI, os dez países que registraram maiores fluxos ilícitos acumulados entre 2000 e 2009 foram: China (US$ 2,74 trilhões), México (US$ 504 bilhões), Rússia (US$ 501 bilhões), Arábia Saudita (US$ 380 bilhões), Malásia (US$ 350 bilhões), Emirados Árabes Unidos (US$ 296 bilhões), Kuwait (US$ 271 bilhões), Nigéria (US$ 182 bilhões), Venezuela (US$ 179 bilhões). Envolverde/IPS