Porto Alegre, Brasil, 20/3/2012 – Porto Alegre, que ganhou reputação internacional de cidade sensível às iniciativas da sociedade civil e na defesa do meio ambiente, estabeleceu data de despejo do tímido movimento de indignados que ocupa uma praça central. Estes responderam que não deixarão o local. Para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o grupo Ocupa Porto Alegre completa hoje três meses na Praça da Matriz e depois acabará. O secretário Luiz Fernando Záchia espera que amanhã os ocupantes saiam de forma espontânea, segundo o que eles mesmos solicitaram, afirmou.
Se isso não acontecer, “e se o Ministério Público entender que devem sair e houver uma decisão judicial, a guarda do parque poderá agir”, informou o secretário de Meio Ambiente. Porém, o movimento informou em seu blog que não houve acordo algum com a prefeitura e não pretende levantar acampamento, pois se trata de mobilização amparada pela Constituição.
Nascido no calor e com inspiração irradiada em 2011 pela Primavera Árabe, o Ocupa Porto Alegre recebeu em janeiro deste ano representantes de vários movimentos durante o Fórum Social Temático. No dia 20 de dezembro, haviam erguido suas barracas em uma área estratégica, a Praça Marechal Deodoro, conhecida como Praça da Matriz, ladeada pelo Palácio da Justiça, a sede do governo do Estado do Rio Grande do Sul, a Assembleia Legislativa e a Catedral Metropolitana.
Trata-se de um espaço tradicional de protestos e manifestações. Por ela desfilam com cartazes e coros desde os camponeses sem terra até os sindicatos da educação. Agora, cerca de 30 pessoas se revezam nas barracas do grupo, que atraem visitantes e curiosos e servem de cenário para debates sobre energia limpa, alimentação orgânica e direitos humanos.
Estudantes, artesãos, artistas de rua, diversos profissionais, desempregados, todos aqui pregam com o exemplo, e preparam refeições naturais com alimentos cedidos por feirantes em troca de ajuda para carregar e descarregar seus caminhões. Como o restante dos movimentos de indignados, inspirados também pela experiência espanhola, estes preferem não ter uma liderança personalizada. Todos falam pelo grupo, com decisões tomadas em assembleia.
Maurício, de 19 anos e estudante de ciências sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dirigiu-se à praça logo que soube do movimento. “É uma forma de protesto contra a competição desenfreada. É uma ação pela paz”, afirmou. A programação de atividades inclui encontros com ecologistas para discutir a polêmica reforma do Código Florestal Brasileiro, que tramita no Congresso, e os impactos que causam as represas de grandes hidrelétricas construídas no vasto território nacional.
Membros do grupo participarão no dia 23 de uma audiência pública sobre a central hidrelétrica de Paiquerê, que seria construída no Rio Pelotas, entre os municípios de Bom Jesus, no Rio Grande do Sul, e Lages, na vizinha Santa Catarina. “A central está quase aprovada. Vamos argumentar que é inconstitucional, porque ameaça espécies em extinção e também a Mata Atlântica”, um bioma que já foi uma extensa faixa de selvas sobre o litoral oceânico e da qual subsistem pouquíssimas áreas, informou o biólogo Luís, de 22 anos. “Serão inundados quatro mil hectares de florestas e araucárias centenárias. Este lugar é um corredor biológico”, acrescentou.
Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente visitaram por duas ocasiões o acampamento, nos dias 9 e 12 de março, com intenção de desalojá-los. Nas duas ocasiões receberam a resposta de que as decisões são tomadas por consenso, em assembleias, e que havia uma programação de atividades para celebrar os três meses de permanência. O secretário Záchia evita falar de confronto. “Deve-se entender que esta é uma cidade democrática, e que tem espaço para todos os movimentos, grandes ou pequenos. Não me compete dizer quem tem o privilégio de ficar”, declarou à IPS.
Porto Alegre foi pioneira em políticas ambientais na década de 1970. Em 1989, implantou pela primeira vez o orçamento participativo, e em 2001 se converteu em referência mundial como sede do Fórum Social Mundial. Contudo, este movimento “também está se esgotando em outras cidades. Insisto, quem definiu a data de saída, dia 21, foram eles. Eu apenas devo organizar minha equipe de manutenção de parques para que no dia 22 entre e faça o que precisa ser feito, pois a praça foi deteriorada”, afirmou.
O pessoal técnico constatou danos à vegetação e destruição de algumas partes do pavimento, que é de pedra portuguesa. Além disso, há queixas de “dezenas” de vizinhos e usuários da praça pela presença das barracas nas áreas de mais sombra em uma temporada de intenso calor, alegou o secretário. Os ocupantes responderam que dialogaram com os vizinhos. “Seus pedidos para desobstruir algumas passagens já foram atendidos. Abrimos o lugar para que possam passar sem problemas”, contou Analise.
No site do grupo na internet se tem acesso a movimentos irmãos em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como a grupos mobilizados na Espanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos, que preparam uma grande mobilização para o dia 1º de maio, Dia Internacional do Trabalhador. Até então, e antes de unir forças para encarar lutas mais amplas, os ocupantes de Porto Alegre devem batalhar pela sobrevivência de seu próprio movimento. “Por estratégia pedimos prazo até o dia 21”, disse Alfeu, de 21 anos. Mas, “a ideia é não sair”, afirmou outro manifestante. Envolverde/IPS