Nairóbi, Quênia, 6/9/2013 – Zeinab Mohammad tem 70 anos e vive no condado de Kwale, na Província Costeira do Quênia. Por décadas residiu ilegalmente no que é conhecido como “casas flutuantes”. “Somos donos das casas, mas não da terra. Não temos títulos de propriedade”, explicou. Seu marido morreu como ocupante aos 86 anos. “Por 40 anos tentamos obter o título da terra. Estou velha, posso morrer a qualquer hora, e tenho medo de deixar meus filhos e netos sem herança”, disse Mohammad à IPS.
Segundo a organização não governamental Aliança pelas Terras do Quênia, 68% dos 41,6 milhões de quenianos carecem do título de propriedade da terra que habitam. A maioria destes reside na Província Costeira. Contudo, em poucos dias, a sorte de Mohammad poderá mudar. Ela é um dos milhares de moradores da Província Costeira que receberão os títulos de suas terras, outorgados pelo presidente Uhuru Kenyatta, que começou a conceder os títulos no dia 30 de agosto.
Esta iniciativa em sua primeira fase beneficiará 60 mil famílias da Província Costeira. Nos próximos cinco anos, o Ministério de Terras pretende entregar três milhões de títulos em todo o país, mudando significativamente a vida da população. Estes documentos podem servir de garantia para empréstimos. No condado de Kwale, onde Mohammad vive, serão entregues 14.381 títulos de propriedade.
A propriedade da terra é um tema espinhoso nesta zona rica em minerais. Este mês começará um projeto de exploração de titânio na província. Em julho, a companhia Cortec Corporation anunciou a descoberta de depósitos de nióbio, um metal cinza maleável, no valor de US$ 62,4 bilhões. A descoberta, nas colinas de Mrima, no condado de Kwale, converteu a área em um dos cinco principais sítios de terras raras do mundo, colocando-a em um mercado dominado pela China.
Porém, a extração dos minerais não beneficiará aqueles que ainda não têm seus títulos de propriedade. “A maioria dos moradores está perdendo a oportunidade de receber uma compensação, já que não possuem documentos comprovando que são os donos da terra onde os minerais são descobertos”, pontuou Njuguna Mutonya, especialista em terras da região costeira.
“Já que toda terra privada contendo minerais pertence ao governo, esta deve ser expropriada. Os que têm títulos devem ser compensados antes de serem levados a outras áreas”, detalhou Mutonya à IPS. Por outro lado, os que não têm o título só podem ser compensados pelo que está construído sobre a terra, e não pela terra em si. “Dessa forma, quem construiu uma casa e plantou três árvores será indenizado apenas com base nisso”, acrescentou.
Especialistas em mineração, como o engenheiro Kimani Ngunjiri, afirmam que isto explica o motivo pelo qual, mesmo sendo rico em minerais, “o condado de Kwale é um dos dez mais pobres do Quênia”. Ngunjiri acrescentou que “as mineradoras ganham milhares de milhões de dólares, enquanto as comunidades continuam sendo pobres” e os títulos de propriedade são fundamentais para determinar “quem tem acesso aos benefícios se as terras contiverem minerais”.
Entretanto, Mutonya acredita que a iniciativa do governo de outorgar títulos de propriedade ajudará a melhorar as possibilidades dos moradores se beneficiarem dos ganhos gerados pelos projetos de mineração. Apesar disso, a política governamental foi motivo de um enfrentamento entre Kenyatta e seu principal oponente político, Raila Odinga. A família do presidente possui grandes áreas de terra em todo o país, sobretudo na Província Costeira, no Vale do Rift e na Província Central.
Este foi um dos temas que mais geraram polêmica na última campanha eleitoral. Odinga criticou duramente a iniciativa governamental, dizendo que tem por objetivo apenas ganhar a simpatia dos moradores da Província Costeira, que de forma esmagadora votaram contra a Coalizão Jubileu, de Kenyatta, nas eleições de 4 de março. No entanto, para os ocupantes da Província Costeira, que já foram muitas vezes desalojados, isto pode representar um novo começo.
“A propriedade da terra é um problema persistente. Toda a região costeira é propriedade de uns poucos magnatas. Se o presidente Kenyatta pretende fazer um jogo político enquanto melhora nossas vidas, que faça”, disse à IPS Amina Juma, ocupante de Kilifi. De todo modo, Mutonya disse que a população duvida que Kenyatta seja capaz de resolver o problema da terra. “O novo giro dos acontecimentos mudou o cenário político e socioeconômico da população costeira. A terra gradualmente deixará de ser um tema de campanha”, opinou.
Com ele concorda Ikal Ang’elei, da organização ambientalista comunitária Amigos do Lago Turkana. “Se não existem documentos de propriedade a favor das comunidades e dos indivíduos que habitam as regiões ricas em minerais, as leis devem protegê-los”, defendeu a ativista. “O governo deve aprovar a Lei de Terras Comunitárias para deixar claro como será feita esta aquisição em zonas ricas em minerais”, acrescentou. Envolverde/IPS