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Ofensiva jurídica contra a lei antigay de Uganda

O parlamentar oficialista Fox Odoi é um dos signatários de um recurso de inconstitucionalidade contra a lei antigay de Uganda. Esta foto foi feita no dia 11 de março, quando a demanda foi apresentada ao Tribunal Constitucional. Foto: Amy Fallon/IPS
O parlamentar oficialista Fox Odoi é um dos signatários de um recurso de inconstitucionalidade contra a lei antigay de Uganda. Esta foto foi feita no dia 11 de março, quando a demanda foi apresentada ao Tribunal Constitucional. Foto: Amy Fallon/IPS

 

Kampala, Uganda, 18/3/2014 – Os ativistas e juristas que solicitam a inconstitucionalidade da draconiana lei de Uganda contra os homossexuais acreditam que conseguirão derrubá-la. “Os juízes são humanos. Mas estamos muito seguros de que fizemos uma argumentação convincente e que os magistrados aplicarão sua capacidade jurídica à lei tal como foi apresentada, em lugar de dar atenção ao clima da opinião pública”, disse à IPS o secretário da Sociedade Legal de Uganda, Nicholas Opiyo.

No dia 11, uma coalizão de organizações de juristas e defensores legais apresentou um recurso de inconstitucionalidade junto ao Tribunal Constitucional de Uganda, em Kampala, contra a Lei Anti-Homossexualidade que o presidente Yoweri Museveni promulgou no dia 24 de fevereiro. O objetivo do recurso é que o máximo tribunal emita uma sentença que freie sua aplicação.

A lei endurece as penas por atos homossexuais, estabelece a prisão perpétua por “homossexualidade agravada” e penaliza a “promoção” da homossexualidade. Opiyo, que participou da redação do recurso, acredita que este “apresenta importantes questões constitucionais e legais que o tribunal deve resolver satisfatoriamente”.

O recurso conta com o patrocínio da Coalizão da Sociedade Civil sobre Direitos Humanos e Direito Constitucional (CSCHRCL), integrada por 50 entidades não governamentais locais que promovem a não discriminação. Segundo consta do recurso, a lei antigay “viola os direitos garantidos pela Constituição à privacidade, à não discriminação, à dignidade, a não receber tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

Os autores do recurso também pedem a expedição de uma ordem judicial permanente que impeça a imprensa de divulgar imagens, nomes, endereços ou outros detalhes de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (LGBTI) ou de que supõem que sejam. Em 25 de fevereiro, um dia após Museveni promulgar a lei, o tabloide ugandense Red Pepper publicou uma lista dos “200 principais homossexuais de Uganda”. Na sequência houve uma série de manchetes sensacionalistas em várias edições desse jornal e do Hello.

Geoffrey Ogwaro, da CSCHRCL, foi mencionado pelo Red Pepper, no dia 1º deste mês, com manchete na primeira página que dizia “Homossexuais ugandenses formam gabinete”. Sua foto apareceu na página dois. Embora a família do ativista saiba que ele é gay, sua mãe ainda está “com o coração em pedaços” depois de vê-lo no jornal, contou Ogwaro. “Ela nunca aceitou realmente minha homossexualidade e, quando ficou pública, foi realmente vergonhoso para ela. Agora se acalmou um pouco, mas para ela foi uma comoção”, detalhou.

Segundo “estimativa conservadora” de Opiyo, o tratamento do recurso poderia demorar “cerca de seis meses”. Mesmo então, o discurso público sobre a lei, que tem aprovação da maioria dos ugandenses, pode “pesar na decisão dos juízes”. “Não temos nenhuma ilusão de que esse recurso seja popular. Sabemos muito bem que o público pode estar contra e vilipendiar os que o apresentaram e seus advogados”, acrescentou.

Entre os litigantes está Fox Odoi, parlamentar do partido governante, ex-assessor legal de Museveni e único legislador a se manifestar publicamente contra a lei. Esta “é irracional, não tem fundamentos, viola cada direito humano em que se possa pensar, viola nossa Constituição, nossas obrigações contraídas em tratados internacionais”, declarou Odoi à IPS.

“Como cidadão, como legislador, como advogado de direitos humanos devo ao povo de Uganda desafiá-la. Naturalmente que há um risco político, a sociedade é muito homofóbica e jogará todo tipo de insulto contra quem defender a minoria. Mas na vida assume-se risco, inclusive quando se sai da cama pela manhã. Não creio que vamos perder no Tribunal Constitucional e no Tribunal de Apelações. Temos um bom caso”, argumentou.

Outros signatários do recurso são Joe Oloka-Onyango, professor de direito, Andrew Mwenda, personalidade da imprensa, e Morris Ogenga-Latigo, ex-líder da oposição.  Vários destacados ativistas pelos direitos homossexuais e o Fórum Ugandense para a Conscientização e a Promoção dos Direitos Humanos (HRAPF) e o Centro para a Saúde, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento (CEHURD) também assinam a petição.

Adrian Jjuuko, diretor-executivo do HRAPF, informou que desde que o parlamento aprovou a lei em dezembro houve dez prisões de pessoas suposta ou declaradamente LGBTI. Também houve ao menos três despejos conduzidos de forma ilegal pelos proprietários. Os ativistas ugandenses há anos apelam contra leis injustas nos tribunais. Já conseguiram duas vitórias legais.

Em 2011, o defensor David Kato e outras duas personalidades ganharam um processo contra o agora extinto tabloide Rolling Stone, que havia pedido o enforcamento dos homossexuais. Semanas depois, Kato foi assassinado. Em 2008, duas lésbicas, Yvonne Oyoo e Victor Juliet Mukasa, receberam uma indenização de US$ 7.800 depois que um juiz determinou que seus direitos foram violados quando a polícia as prendeu e deixou uma delas nua.

Alguns têm esperança de obter novo triunfo. “O tribunal pode dar resultado. Costuma ser muito objetivo. Foi assim em outros dois casos que vencemos”, pontuou Ogwaro. “Mas, haverá demoras habituais, porque os juízes têm medo de dar sua sentença e de como ela será recebida”, acrescentou. E, caso o Tribunal Constitucional não decida a seu favor, não será o fim da luta legal. “Apelaremos à Suprem Corte. Uganda também é signatária da lei que estabeleceu a Comunidade da África Oriental, que também conta com um tribunal. Exploraremos essa opção e continuaremos lutando”, explicou Odoi. Envolverde/IPS