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Ofensiva militar aprofunda crise de refugiados no Paquistão

Os refugiados em razão da ofensiva militar no norte do Paquistão passam horas junto à estrada com um calor de 45 graus. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Os refugiados em razão da ofensiva militar no norte do Paquistão passam horas junto à estrada com um calor de 45 graus. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPSa

 

Peshawar, Paquistão, 25/6/2014 – Shaukat Ali, comerciante oriundo de Miramshah, na agência do Waziristão do Norte das Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) do Paquistão, está sentado diante de um abrigo improvisado com seus dez familiares, e parece esgotado.

A família viajou um dia inteiro para chegar a esta pequena moradia na periferia de Peshawar, a capital da província de Jyber Pajtunjwa, fronteiriça com o Afeganistão. Agora passou a ser mais um dos milhares de refugiados civis que fogem de uma forte ofensiva militar, cujo objetivo é eliminar grupos radicais armados nas zonas montanhosas do Paquistão.

Ali afirmou à IPS que a situação no Waziristão, um reduto do movimento extremista Talibã, é “patética”. Dezenas de famílias abandonam suas casas e tudo o que possuem para fugir dos ataques aéreos do exército, que provocaram escassez de alimentos e pânico generalizado desde seu início, no dia 15.

“Viajamos a pé durante cinco horas apenas para contratar um veículo para nos levar a Peshawar, e dali continuamos até Bannu”, uma cidade de Jyber Pajtunjwa, contou Ali. “Três dos meus cinco filhos tiveram febre no caminho e não temos dinheiro para consultar um médico ou comprar remédios”, acrescentou.

É provável que os cem mil refugiados que vivem em 65 mil barracas de campanha instaladas pelo governo de Jyber Pajtunjwa sofram dificuldades semelhantes. Alguns fugiram do Waziristão em caminhões com a roupa do corpo. Outros carregaram seus pertences em carros puxados por burros, mas levaram apenas o mais básico, por medo de sobrecarregar os animais. Muitos fugiram com tanta pressa que se separaram de seus familiares.

Zainab Khatoon, criadora de cavalos do Waziristão, chegou a Bannu com dois de seus filhos mas não sabe onde estão seu marido e o filho mais velho. “Apenas levantaram o toque de recolher viajamos para Bannu. Meu marido e meu filho ficaram para comprar bolachas, arroz, chá e óleo. Já passaram dois dias e não chegaram”, contou à IPS esta mulher de 42 anos.

“Estamos muito preocupados com a separação das famílias”, disse à IPS Jawad Ahmed, funcionário do acampamento de refugiados. Muitos têm medo de se registrar por temerem represálias do Talibã, que proibiu os pedidos de ajuda ao governo. No dia 22, já havia 394 mil refugiados. Acredita-se que muitos cruzaram a fronteira para o vizinho Afeganistão, devido à falta de “luz, água, comida e suprimentos médicos” em Jyber Pajtunjwa, afirmou à IPS Muhammad Rahim, funcionário da Autoridade Nacional de Gestão de Desastres.

Além de Bannu, os destinos mais procurados pelos refugiados em Jyber Pajtunjwa são Lakki Marwat, Tanque, Karak e Hangu. “Até agora, Jyber Pajtunjwa recebeu mais de sete mil famílias, ou cerca de cem mil pessoas”, disse o funcionário Sajjid Khan à IPS. Algumas famílias estão de passagem para as cidades de Lahore e Karachi, acrescentou. O governo destinou US$ 1 bilhão de ajuda aos refugiados para a construção de abrigos, lavabos e, possivelmente, escolas.

O analista político Shoaib Sultan, da Universidade de Peshawar, considera pouco provável que a ofensiva militar cesse no futuro imediato. “O calor abrasador, de 45 graus, multiplicou os problemas das pessoas, e muitos simplesmente se abrigam debaixo das árvores próximo à estrada”, pontuou Sultan à IPS. A ofensiva do exército, denominada Golpe de Espada do Profeta Maomé, responde em parte ao atentado que matou 18 pessoas no aeroporto internacional de Karachi no começo deste mês.

Embora muitos aceitem a linha dura oficial contra o extremismo, pareceria que a população mais pobre sofre a pior parte dos ataques, como assim foi durante quase uma década. Alguns políticos, como Imran Khan, do Movimento pela Justiça do Paquistão, pediram ao governo que suspenda a ofensiva até que os habitantes sejam evacuados.

Desde 2005, os militares tentam acabar de maneira esporádica com os insurgentes das regiões fronteiriças, onde o terreno montanhoso proporcionou uma cômoda base aos membros do Talibã que fugiram das forças norte-americanas no Afeganistão. Presa entre o exército e os extremistas, a população civil foi obrigada a abandonar as zonas tribais.

O êxodo, que se mantém mais ou menos interrompido há quase nove anos, já envolveu mais de 2,1 milhões de pessoas que saíram de suas casas nas Fata para se refugiarem na vizinha Jyber Pajtunjwa, onde as autoridades têm dificuldades para atender suas necessidades. Muitos vivem em condições miseráveis há anos, com pouco acesso a alimentos, água e saneamento adequado, em choças de barro ou em acampamentos.

O médico Fayaz Ali, especialista em saúde publica, se preocupa com a possibilidade desta última onda de refugiados reduzir a possibilidade de o Paquistão alcançar os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que incluem redução da pobreza e diminuição de cem milhões de pessoas no número de habitantes em favelas até 2015. “Os refugiados por causa do conflito não têm outra opção a não ser viver dessa forma”, destacou Ali à IPS.

Antes da última onda de refugiados, Bannu abrigava 50 mil famílias refugiadas. Fontes do setor imobiliário na região dizem que a demanda por moradia disparou, já que as pessoas lutam para conseguir as escassas unidades residenciais disponíveis, enquanto os menos abastados ocupam choças de barro. As autoridades asseguram que não há, literalmente, espaço para os refugiados que chegaram, que no momento residem em escolas para reduzir ao mínimo a propagação de doenças nos acampamentos superlotados.

“Estamos tratando refugiados com doenças transmitidas pela água e pela comida”, explicou o médico Rehmat Shar, de Bannu, que trabalha no hospital da sede do distrito. “Vimos cerca de 650 pacientes, incluindo 200 mulheres e 300 crianças. A maioria necessita de reidratação devido ao calor implacável”, detalhou à IPS.

“As condições de vida são miseráveis”, acrescentou Wahidullah Khan, natural da cidade de Mir Ali, no Waziristão do Norte, que foi com sua família de oito pessoas para Bannu tão logo começou a ofensiva militar. “Vivemos em um pequena casa de barro e pedra, sem eletricidade”, contou Ali. “E meus filhos têm de andar um longo trecho para conseguir água”, acrescentou. Este comerciante e sua mulher abandonaram tudo quando fugiram. Agora perguntam como recomeçar do zero. Envolverde/IPS