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OMC impotente diante da nova onda do comércio internacional

Os países mais pobres terão dificuldades para ter acesso aos acordos bilaterais de comércio se não receberem ajuda da OMC. Foto: Amantha Perera/IPS
Os países mais pobres terão dificuldades para ter acesso aos acordos bilaterais de comércio se não receberem ajuda da OMC. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Tóquio, Japão, 3/12/2013 – A sala de conferências do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), mais conhecida como Sala Verde, foi por anos o centro de poder na sede desse organismo em Genebra, onde um punhado de delegados se reunia para tratar de temas importantes.

O poderoso quarteto tradicional, formado por Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá, se reunia na Sala Verde da OMC para “decidir sobre acordos comerciais mundiais”, disse Masahiro Kawai, diretor do Instituto do Banco Asiático de Desenvolvimento (IBAsD), um centro de pesquisa com sede em Tóquio. Porém, isso era antes. “Se sentavam na Sala Verde e chegavam a acordos, mas isso acabou”, ressaltou.

A erosão do poder na Sala Verde, e mais concretamente a corrosão do poder que detinham países ricos como Estados Unidos ou Japão, está associada principalmente ao crescimento de nações emergentes como Índia e China, e a alianças comerciais mais novas e pujantes, como os Brics, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, bem como a mudança nas tradicionais cadeias de fornecimento internacionais.

Há 25 anos, a parte do produto interno bruto (PIB) mundial em poder das economias emergentes e em desenvolvimento era inferior a 20%, segundo estatísticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Contudo, em 2012 essas economias praticamente haviam alcançado os poderosos países industrializados do Grupo dos 7 (G-7), integrado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Grã-Bretanha. Esse grupo representava, então, 48% do PIB mundial, enquanto os Estados emergentes giravam em torno dos 40%.

Os países emergentes já superaram o G-7 como maior bloco comercial do mundo, com pouco mais de 40% de todo comércio internacional. E a participação do G-7 no comércio mundial caiu de seu máximo superior a 50%, na primeira metade da década de 1990, para algo em torno de 35%. Portanto, “não é de estranhar que as vozes dos países emergentes e em desenvolvimento tenham se elevado na OMC”, opinou Kawai.

Outra razão da erosão do poder do G-7 é a mudança nas cadeias de fornecimento internacionais. Há décadas, os produtos finais dominavam o comércio mundial, mas agora predominam os produtos intermediários. “Hoje em dia, quase 60% do comércio mundial de mercadorias são feitos com produtos intermediários”, detalhou Kawai.

Quando se dedicou a pesquisar a cadeia de fornecimento do telefone inteligente iPhone, o diretor de Capacitação e Treinamento do IBAsD, Yuquing Xing, descobriu um dado surpreendente. Do custo de produção de US$ 178,96 por unidade (valores de 2010), o custo de fabricação do celular na China chegava a apenas US$ 6,50.

Os custos restantes provinham de mais de uma dezena de empresas em cinco países. O componente mais caro, segundo a pesquisa de Xing, era a memória flash, de US$ 24, procedente da japonesa Toshiba. Esse novo padrão comercial permite à China exportar mais de 11 milhões de iPhones por ano para os Estados Unidos, país onde esse telefone foi desenvolvido e sede da empresa que o vende, acrescentou Xing.

Essa reinvenção das negociações comerciais mundiais não faz prever nada bom para os países mais pobres ou de renda média-baixa, segundo especialistas do IBAsD e outros. Os países emergentes e os membros do G-7 estão entusiasmadamente metidos em negociações de acordos de livre comércio regionais e bilaterais, sobretudo com sócios igualmente poderosos.

Segundo o IBAsD, há 379 acordos comerciais vigentes no mundo e existem outros em negociações, como o Acordo de Associação Transpacífico (TPP), que reunirá 12 países: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã. Outras negociações cruciais são as que os dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) mantêm com China, Coreia do Sul e Japão para criar a Asean Mais Três.

“Os regimes comerciais não alfandegários são as armas preferidas na atualidade”, afirma Rodolfo Certeza Severino, secretário-geral da Asean entre 1998 e 2002 e atual diretor do Centro de Estudos da Asean no Instituto de Estudos do Sudeste Asiático, de Cingapura. Esses acordos comerciais gigantes e superpoderosos excluem os países de renda média e os mais pobres.

Por exemplo, nenhum dos oito países da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional, de caráter político, figura entre os 15 maiores sócios comerciais da Índia. O principal sócio comercial desse país no sul da Ásia é o Sri Lanka. Em 2012, o intercâmbio entre ambos chegou a US$ 4 bilhões, mas o saldo da balança comercial não foi equitativo, já que US$ 3,4 bilhões corresponderam a exportações indianas para sua contraparte.

“Esses acordos de livre comércio estão assentando as novas realidades”, pontuou Kawai. E essas novas realidades determinam que, enquanto os países mais ricos negociam, discutem e tentam convencer para conseguir um comércio preferencial, os pobres do mundo continuam à deriva. Recente informe da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) diz que os 49 países de menor desenvolvimento registraram aumento no emprego de 2% nas últimas décadas, pouco acima do crescimento demográfico.

Porém, Kawai considera que a OMC pode romper esse ciclo comercial que favorece os ricos. A organização deve agir como catalisadora das negociações e como um árbitro eficaz nas disputas, e deve e pode ter um papel central na promoção de acordos comerciais multilaterais e regionais, ressaltou. Segundo Kawai, “um processo renovado da OMC poderia conseguir uma liberalização mundial do comércio e dos investimentos com a consolidação dos acordos regionais, a criação de convênios entre as regiões e a harmonização das normas entre esses tratados”.

Certeza Severino, concorda. “Na verdade, a maioria das disposições desses acordos (de livre comércio) tem de ser compatível com a OMC”, alertou. No entanto, enquanto a OMC continuar debilitada, ainda incapaz de concluir a rodada de negociações de Doha que iniciou em 2001, as possibilidades de ter um papel decisivo continuam sendo escassas, pelo menos no curto prazo, segundo os dois especialistas. Envolverde/IPS