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Ondas de rádio rebeldes em Misurata

Misurata, Líbia, 9/5/2011 (IPS/Al Jazeera) – Os habitantes desta sitiada cidade líbia agora podem ouvir uma rádio que transmite música revolucionária, notícias e debates, a Rádio Líbia Livre, que apoia a rebelião contra o regime de Muammar Gadafi. A transmissão atua como força unificadora nesta cidade. Enquanto as pessoas dirigem seus carros em meio a postos de controle, prédios devastados e casas baleadas, os programas lhes recordam o motivo: tirar Gadafi do poder.

A Rádio Misurata, como era chamada antes, era uma emissora local comum que fazia parte da rede de comunicações do regime. As vozes dissidentes eram silenciadas e todo o conteúdo rigidamente controlado. Mas os rebeldes a ocuparam no dia 21 de fevereiro, e desde então tudo mudou.

“Durante o governo de Gadafi a maioria das músicas nacionalistas levavam seu nome. Tínhamos que procurar entre dezenas para encontrar uma que só mencionasse nossa terra”, contou o fundador da Rádio, Ahmed Hadia. “Bons dias, Líbia”, o principal programa dessa nova emissora, transmite notícias da frente de batalha, entrevistas com membros do conselho rebelde, informes sobre disponibilidade de comida e água e outros assuntos logísticos da cidade.

Outros programas se concentram em manter o moral alto. “Os protetores”, por exemplo, dedica-se a elogiar o trabalho dos voluntários na cidade. Os programas religiosos pregam a necessidade de se ter paciência e as recompensas que esta traz consigo. “Começamos com isto para elevar o sentimento nacional do povo”, disse Hadia. A Rádio também é usada como ferramenta de propaganda destinada a convencer leais a Gadafi a se unirem aos rebeldes. “Quem controla os meios de comunicação controla o país”, afirmou.

Os rebeldes não tiveram problemas para encontrar professores, religiosos e acadêmicos, pessoas sem experiência em rádio, mas comprometidas com a causa e que produziram um grande número de programas novos. Depois de décadas de censura, a emissora foi inundada por telefonemas de pessoas que queriam expressar sua opinião. “Queriam dizer o quanto estavam felizes pelo fato de a cidade ter sido libertada e quanto odiavam Gadafi e a ditadura”, disse Salim Betmal, que estudou na Universidade de Leeds (Grã-Bretanha) e trabalha como operador de rádio. “Também ligaram alguns partidários de Gadafi ameaçando a Rádio. Deixamos que falassem no ar sem censura”, acrescentou.

Aviões de guerras do regime tentaram bombardear a emissora duas vezes antes de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) criar a zona de exclusão aérea. O prédio também sofreu disparos e partes das paredes caíram pelo impacto de um foguete. Apesar de tudo, Hadia segue firme: “Esta é nossa terra, e parte de nós. Temos que defendê-la, mesmo pagando com nossa vida”.

Leais a Gadafi que permanecem na cidade tentam destruir a antena da Rádio com explosivos. E, ainda pior, capangas contratados para assassinar o pessoal. “Os seguranças pegaram um homem com um revolver e três mil dinares (quase US$ 3 mil). Depois ele confessou que foi enviado para matar Ahmed Hadia”, disse Betmal.

Alguns dos trabalhadores da rádio abriram novas entradas no prédio para evitar os franco-atiradores leais a Gadafi que vigiam a porta principal. Por razões de segurança, a emissora mudou duas vezes suas instalações. Os ataques não desestimularam os que trabalham na rádio. Um engenheiro acrescentou uma canal AM junto ao sinal FM para que a rádio possa ser ouvida em lugares tão distantes quanto a Europa.

Hoje, a rádio continua se expandindo. Correspondentes da Líbia Livre são enviados em busca de informação na frente de guerra. Os boatos só podem ser combatidos com a presença de repórteres no lugar dos fatos, e os responsáveis pela emissora afirmam que querem ser certeiros. “Às vezes realçamos as notícias, mas nunca mentimos. Ou se fala claramente ou não se fala”, afirma Betmal. Envolverde/IPS

* Publicado sob acordo com a Al Jazeera.