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ONGs criticam eleições no Conselho de Direitos Humanos

Delegados na Assembleia Geral conversam antes de começar a eleição no Conselho de Direitos Humanos. Foto: Photo/Rick Bajornas

 

Nações Unidas, 14/11/2012 – Quando a outrora Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) estava praticamente dominada por países acusados de reprimir opositores, um congressista dos Estados Unidos a ridicularizou afirmando que “os pacientes estavam assumindo o controle do manicômio”. E “quando os loucos tomam o controle, os responsáveis se veem obrigados a agir”, disse categoricamente o então congressista pelo Estado da Califórnia, Dana Rohrabacher, ameaçando cortar a contribuição financeira dos Estados Unidos a esse organismo. O legislador estava indignado porque a Comissão havia rejeitado os Estados Unidos, mas aceito China, Cuba, Líbia e Sudão.

Diante da falta de credibilidade, esse órgão foi dissolvido em 2006 e substituído pelo Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra. Contudo, pelas reações de organizações internacionais de direitos humanos frente às eleições do Conselho realizadas no dia 12, esse organismo intergovernamental de 47 membros também perde aceleradamente a sua legitimidade.

O conselho renovou 18 de seus integrantes pelo período de três anos a partir de janeiro próximo. A Assembleia Geral da ONU escolheu Alemanha, Argentina, Brasil, Cazaquistão, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Estônia, Etiópia, Gabão, Irlanda, Japão, Montenegro, Paquistão, Quênia, Serra Leoa e Venezuela. Os assentos no Conselho são atribuídos a diferentes grupos regionais: África (13), América Latina e Caribe (oito), Ásia (13), Europa oriental (seis) e Europa ocidental e outros países (sete).

Como regra geral, cada bloco apresenta uma lista fechada de candidatos para preencherem suas próprias vagas, impedindo assim um verdadeiro processo aberto e competitivo. As listas fechadas fazem com que os candidatos designados tenham praticamente assegurado um lugar no conselho. A única disputa aconteceu no grupo da Europa ocidental e outros países, onde cinco nações (Alemanha, Grécia, Irlanda, Suécia e Estados Unidos) aspiravam três vagas que esse bloco regional deveria renovar. Os ganhadores foram Alemanha, Estados Unidos e Irlanda. O único requisito era conseguir pelo menos 97 votos na Assembleia Geral.

Consultada pela IPS sobre as possibilidades de o Conselho adotar algum processo de seleção realmente competitivo, a diretora de campanhas mundiais da organização Human Rights Watch (HRW), Peggy Hicks, manteve a esperança. “Não creio que seja uma causa perdida”, afirmou. O bloco África reconhece formalmente que aplica um sistema de rotação em lugar de competição, mas o Quênia se animou a desafiá-lo este ano, destacou Hicks.

Para a diretora da HRW, “a chave é conseguir que se candidatem os Estados que realmente se preocupam em ter um Conselho mais forte e efetivo”. E acrescentou que, “uma vez na disputa, ativistas desses países, da região e do mundo trabalharão duro para que tenham êxito os Estados com maiores contribuições para os direitos humanos”. “Qualificar de eleição a votação na Assembleia Geral é dar ao processo crédito em demasia”, ressaltou Hicks. Enquanto não houver uma verdadeira competição pelas cadeiras no Conselho de Direitos Humanos, os padrões exigidos de seus membros continuarão sendo mais um discurso do que uma realidade, observou.

Por sua vez, José Luis Díaz, representante da Anistia Internacional nas Nações Unidas, disse à IPS que a melhor forma de os países-membros deterem estas eleições é não se candidatarem. No entanto, “o que vimos hoje (dia 12) é que a maioria dos Estados não está disposta a fazer isso, pois só houve disputa pelos assentos reservados para o grupo ocidental”, pontuou. Segundo Díaz, “é escandaloso porque significa que não há real competição para muitos dos assentos no Conselho, contrariamente ao que previa a resolução que o criou”.

O representante da Anistia afirmou que isto terá várias consequências negativas para esse órgão, incluindo a perda de responsabilidade e transparência. “Um país integrar uma lista fechada não significa automaticamente que abusa dos direitos humanos, mas, por que tememos a competição sobre quem são os melhores representantes para promover e proteger esses direitos?”, questionou. “Espero que seja dada maior atenção à falta de competição e que isso leve à criação de listas de candidatos mais abertas”, opinou.

Em uma declaração divulgada em Nova York, a HRW criticou o grupo África por apelar para um sistema de rotação que virtualmente garante assentos no Conselho aos países propostos, sem importar seu histórico em direitos humanos. Países africanos com melhor desempenho na matéria não estão dispostos a questionar este sistema, segundo a organização. Quando o Quênia declarou sua candidatura ao Conselho, no final de julho, parecia que o grupo África estava pronto para mudar sua política. Porém, o Sudão, sob pressão, retirou sua candidatura, deixando o bloco novamente com uma lista fechada de cinco candidatos para cinco vagas.

A HRW destacou que, em outros anos, organizações pelos direitos humanos realizaram com êxito campanhas contra as candidaturas de Bielorússia (2007), Sri Lanka (2008) e Azerbaijão (2009). A pressão dos ativistas também serviu para que Irã e Síria retirassem suas candidaturas, em 2010 e 2011, respectivamente. Um diplomata asiático que pediu para não ter o nome revelado disse à IPS que o assento dos Estados Unidos também deveria ser questionado por matar civis, deliberada ou acidentalmente, com seus ataques feitos de aviões não tripulados no Afeganistão e Iraque. Isto, ressaltou, se agrava com as denúncias de torturas cometidas pelas forças norte-americanas. Envolverde/IPS