Nações Unidas, 4/3/2015 – O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, criticou as práticas seletivas dos Estados membros em matéria de direitos humanos, ao defenderem uns e violar outros abertamente, talvez para atender seus próprios interesses nacionais ou políticos.
Apesar de terem ratificado a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de reafirmar seu compromisso com os direitos humanos fundamentais, há alguns Estados membros que, “com uma regularidade alarmante”, ignoram e violam os direitos humanos, “às vezes em um grau assombroso”, afirmou Zeid, diplomata e príncipe jordaniano.
No dia 2, na sessão inaugural do Conselho de Direitos Humanos, que funcionará até o dia 27 em sua sede em Genebra, na Suíça, Zeid criticou os Estados membros que baseiam suas decisões em “circunstâncias excepcionais”, segundo argumentam. “Escolhem entre os direitos”, ressaltou, sem identificar nenhum Estado pelo nome.
“Um governo apoiará plenamente os direitos humanos das mulheres e os da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transgênico, mas sufocará brutalmente as opiniões políticas opositoras. Um terceiro Estado violará de maneira integral os direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais de seu povo, mas defenderá energicamente os ideais dos direitos humanos perante seus pares”, acrescentou Zeid.
“O príncipe Zeid acertou no ponto”, afirmou à IPS Peggy Hicks, diretora mundial de promoção da organização Human Rights Watch. Se cada governo que professa seu compromisso com os direitos humanos cumprisse sua palavra de maneira sistemática, “teríamos um mundo muito diferente, e melhor”, destacou a ativista.
Em uma virada paradoxal que confirmaria o argumento de Zeid, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, criticou “o terrível histórico de direitos humanos” de vários países e territórios, incluindo Síria, Coreia do Norte, Crimeia e as forças separatistas da Ucrânia. Mas o chefe da diplomacia de Washington não condenou a devastação causada pelos 50 dias de bombardeios de Israel contra os palestinos em Gaza em 2014, e nem os ataques com foguetes que o Hamas lançou contra Israel nesse período.
Esses bombardeios mataram 1.976 palestinos em Gaza, entre eles 1.417 civis e 459 crianças, segundo dados da ONU. Do lado israelense morreram 66 pessoas, incluídos dois soldados. Os palestinos acusaram Israel de crimes de guerra e pressionam para que o Tribunal Penal Internacional de Haia tome medidas nesse caso, algo que tem a firme oposição de Washington.
Kerry disse ao Conselho de Direitos Humanos que seu país acredita que pode continuar avançando e ajudar a ONU a cumprir seu mandato, e fazer do mundo um lugar melhor e mais seguro. “Mas, para que isso aconteça, temos que nos pormos sérios e enfrentar os obstáculos ao nosso progresso. E o obstáculo mais óbvio, devo dizer-lhes, é o que alguém inflige a si mesmo”, afirmou.
“Refiro-me, naturalmente, ao histórico profundamente preocupante do Conselho de Direitos Humanos com relação a Israel”, afirmou Kerry. “Ninguém nesta sala pode negar que existe uma atenção fora do comum posta sobre um país democrático”, acrescentou, enquanto defendia abertamente a causa israelense, um dos aliados políticos e militares mais próximos dos Estados Unidos.
Ano após ano, há cinco ou seis resoluções diferentes sobre Israel, pontuou Kerry aos delegados. Recordou que neste ano houve uma resolução patrocinada pelo presidente sírio, Bashar al Assad, relativa às colinas de Golan, o território ocupado por Israel desde a guerra de 1967. “Como, pergunto, pode ser essa uma prioridade sensata se no mesmo momento os refugiados da Síria estão inundando Golan para fugir do governo assassino de Assad e receber tratamento de médicos israelenses em hospitais israelenses?”, questionou o secretário de Estado.
Kerry se referia à “obsessão” do Conselho de Direitos Humanos com Israel, que “na realidade corre o risco de prejudicar a credibilidade de toda a organização”, afirmou em referência à ONU. No entanto, Zeid disse, no dia 2, que a única medida real do valor de um governo não é seu lugar no “baile solene da grande diplomacia”, mas a “medida em que é sensível às necessidades e que protege os direitos, de seus nacionais e das demais pessoas que caiam sob sua jurisdição, ou sobre as quais tem controle físico”.
Algumas autoridades políticas se convencem de que suas circunstâncias são excepcionais e geram uma nova realidade, totalmente imprevista pela lei, pontuou Zeid, acrescentando que essa lógica prolifera no mundo atual.
“Prendo arbitrariamente e torturo porque um novo tipo de guerra justifica essa atitude. Espiono meus cidadãos porque a luta contra o terrorismo exige. Não quero novos imigrantes, ou discrimino as minorias, porque nossa identidade comum está sendo ameaçada como nunca antes. Mato sem nenhuma forma do devido processo porque se não o faço outros me matarão. E assim, sucessivamente, enquanto caímos em um acúmulo de crise em espiral”, ressaltou Zeid. Envolverde/IPS