Genebra, Suíça, 11/4/2011 – A comissão internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) para investigar violações dos direitos humanos na Líbia inicia sua missão esta semana, e no dia 17 de junho apresentará um relatório com suas conclusões. A comissão criada pelo Conselho de Direitos Humanos tem três integrantes – Cherif Bassiouni, Asma Khader e Philippe Kirsch –, e partiu ontem de Genebra rumo à Líbia, onde ficará o restante do mês para, em seguida, dirigir-se ao Egito e à Tunísia. Também analisará a responsabilidade em casos de “violações de direitos humanos, obrigações em matéria de direitos humanos contidas em pactos da ONU e acordos dos quais a Líbia f parte, e direito consuetudinário internacional”, disse Bassiouni, que preside a Comissão.
Os membros da Comissão vão se reunir com o governo líbio, funcionários da ONU, várias organizações internacionais e não governamentais, e também com pessoas que estão nas prisões e nos hospitais, tanto civis como combatentes. Também visitarão regiões sob controle do governo e da oposição. Consultados sobre se, caso concluam que uma potência estrangeira cometeu um crime, informarão isso, os especialistas responderam que seu mandato cobre todas as violações de direitos humanos na Líbia, independente de quem as cometeu e que, portanto, informarão.
Peter Splinter, representante da Anistia Internacional junto à ONU em Genebra, disse à IPS que os integrantes da comissão “estão interessados em se fixar não apenas nas violações atuais, mas também no contexto dentro do qual ocorreram”. Isto pode levar a uma investigação sobre “apoio de outros governos ao regime líbio”, acrescentou.
Peter Bouckaert, diretor de emergências da Human Rights Watch, que acaba de voltar de uma missão de duas semanas no Leste da Líbia, disse que encontrou grande quantidade de artefatos sem explodir, armas e munições abandonadas e minas terrestres recém-colocadas, que representam uma grande ameaça para a população civil. “Fiquei muito surpreso ao descobrir que o governo belga havia vendido armas para a Líbia. Inclusive em 2009”, disse à IPS. “Os países ocidentais venderam armas a um governo com antecedentes extensos de abusos contra sua própria população e envolvido em atividades terroristas” no exterior, acrescentou.
Consultado se a Comissão da ONU também deveria analisar esse aspecto, Bouckaert respondeu que a questão é mais ampla e que pode estar fora do mandato dos três especialistas, “mas os governos que forneceram armas têm a responsabilidade de enfrentar o legado”, ajudando a destruí-las e pagando para que sejam eliminadas as minas terrestres. Muitas armas são das décadas de 1970 e 1980, quando a Líbia era objeto de um embargo. “Muitas delas foram vendidas, claramente, violando o direito internacional”, acrescentou.
“Encontramos armas da Coreia do Norte etiquetadas como peças avulsas para tratores. As empresas de venda de armas têm a responsabilidade de considerar o uso que será dado a elas. Se sabem que serão usadas com fins de repressão, estão obrigadas a suspender as vendas”, afirmou Bouckaert, que, como ex-integrante da missão de investigação da ONU na Guiné, acredita que a missão do Conselho de Direitos Humanos é importante para determinar o que realmente ocorreu e quais são os responsáveis.
A Líbia não respondeu diretamente à solicitação de visita às regiões sob controle do governo, mas divulgou um comunicado de imprensa anunciando publicamente que a Comissão será bem-vinda ao país. “Creio que a Comissão terá permissão para ir a Trípoli”, disse Bouckaert. “A questão é se poderá fazer o trabalho real ali ou se o governo tentará manipular sua presença. As negociações mais importantes têm a ver com condições mínimas de trabalho. Não se pode simplesmente ir lá e participar de uma visita organizada pelo governo”, acrescentou.
Bassiouni assegurou que as fontes de informação contarão com garantias e que as testemunhas serão protegidas. A missão vai cooperar com o Tribunal Penal Internacional (TPI), ao qual o Conselho de Segurança enviou o caso no dia 26 de fevereiro. Cinco dias depois, o promotor do TPI anunciou sua decisão de abrir uma investigação sobre a situação na Líbia. Os especialistas insistem na necessidade de se ter mais informação antes de discutir o que farão em seguida. Não querem acusar ninguém antes de determinarem os fatos com exatidão.
Contudo, que credibilidade tem essa missão, quando o juiz sul-africano Richard Goldstone voltou atrás sobre um relatório que fez sobre a guerra em Gaza? Goldstone liderou a missão investigativa da ONU sobre os crimes cometidos durante o conflito ocorrido entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009 na faixa palestina. O informe final, divulgado em setembro de 2009, apontava tanto Israel quanto o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) como responsáveis por crimes de guerra nesse período.
“Na imprensa há muitas idas e vindas com o informe Goldstone”, disse Peter Splinter. “Ele não se retratou, mas reafirmou seu relatório. Simplesmente disse que, se soubesse, não teria falado sobre uma política deliberada de tomar civis por objetivos. Por que não sabia o que agora sabe? Porque não foi autorizado a ir a Israel. Mas é injusto dizer que isto desacredita as missões de investigação da ONU”, afirmou.
Para Splinter, a missão na Líbia tem juristas internacionais de alto perfil e muito qualificados, o que é motivo de otimismo quanto ao que se esperar. “É um passo importante, mas o prazo é muito curto”, disse Bassiouni. “O conflito ainda está em curso, ainda mata gente”, admitiu. “Esta é a quarta guerra que vou investigar e muitas coisas surgem depois”, acrescentou.
O motivo é que “as pessoas que podem testemunhar estão em hospitais, ou têm familiares e não podem falar até que a tempestade tenha passado. As investigações deste tipo não são soluções instantâneas”, explicou. “Faremos o melhor que pudermos, mas nossa intenção é incluir uma recomendação para que seja prolongado o prazo que nos foi dado, para podermos continuar nosso trabalho”, afirmou. Envolverde/IPS