Kinshasa, República Democrática do Congo, 27/3/2012 – O Escritório Conjunto de Direitos Humanos das Nações Unidas voltou-se contra o governo da República Democrática do Congo (RDC) e suas forças de segurança e condenou a violência que se seguiu às eleições de 30 de novembro de 2011, e deixou pelo menos 33 mortos nesta capital. A agência da Organização das Nações Unidas (ONU) preparou um informe no qual analisa as graves violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança apenas em Kinshasa. O documento indica que há 16 desaparecidos e cerca de 90 pessoas feridas por munições reais disparadas pela polícia e pelo exército. Todas as vítimas eram civis. O relatório, divulgado no dia 21, pede ao governo que “faça uma investigação independente, com credibilidade e imparcial, sobre todos os casos de graves violações de direitos humanos cometidas na capital do país entre 26 de novembro e 25 de dezembro do ano passado”.
Também pede que os responsáveis sejam levados à justiça, sejam eles da Guarda Republicana – unidade do exército próxima ao presidente Joseph Kabila – ou soldados das Forças Armadas da RDC (FARDC) ou, ainda, oficiais da Polícia Nacional (PNC), não importando sua patente.
Addie Kitona, mãe de três filhos, sofreu a violência das forças de segurança no bairro Bandalungwa, na capital, após os distúrbios que surgiram em razão dos resultados provisórios das eleições presidenciais. “A polícia disparou gás lacrimogêneo sem prestar atenção aos transeuntes, entre os quais havia crianças. Quando fugia, tropecei e caí sobre minha filha de quatro anos, quebrando sua clavícula”, contou Kitona. “Enquanto estava no chão, policiais que perseguiam jovens que os haviam atacado, me pisotearam e me bateram várias vezes nas costas e no estômago”, acrescentou.
Annie Botendi, estudante de direito da Universidade de Kinshasa, recordou ter visto três corpos crivados de bala jogados no caminho de Kimwenza, bairro de Mont Ngafula, onde ela vive. “À tarde foram recolhidos pelo pessoal da Cruz Vermelha para serem enterrados depois de serem identificados pelas autoridades municipais”, contou.
Os esforços da IPS para conseguir declarações das autoridades das localidades de Bandalungwa e Mont Ngafula foram inúteis.
Leila Zerrugi, representante especial adjunta do secretário-geral da ONU para a RDC e encarregada de direitos humanos, afirmou que os dados do informe não devem ser considerados definitivos. “Os números apresentados no documento podem aumentar se considerarmos que muitas áreas estavam inacessíveis pelo medo e pela paranoia que prevaleceu nesse período, bem como pelo fato de muitos centros médicos terem ordem de não divulgar informações sobre as vítimas que trataram”, esclareceu.
Por seu lado, o governo da RDC respondeu que não reconhece a validade do informe e apontou vários erros. O documento “é parcial, incompleto e incoerente, e não incorporou comentários do governo, especialmente sobre os processos judiciais que já foram abertos em resposta às violações que são investigadas”, declarou à IPS o ministro da Justiça e dos direitos humanos, Emmanuel Luzolo Bambi Lessa. “É necessária uma investigação conjunta da qual participem governo, sociedade civil, judiciário e ONU para que o informe tenha credibilidade”, acrescentou, lembrando que as Nações Unidas “não o fizeram”.
O ativista pelos direitos humanos Jean Claver Mudumbi não concorda com essa apreciação. “O governo continua cometendo o mesmo erro de rejeitar todos os informes sobre violações de direitos humanos. Isto porque não costuma manejar a mesma informação que os ativistas que estão no terreno e mantêm contato com as pessoas”, afirmou. “Não há interação entre as diferentes administrações locais, que tampouco têm estatísticas sobre o ocorrido em sua própria jurisdição, nem os meios para documentar as violações de direitos humanos ali cometidas”, ressaltou. Envolverde/IPS