Relatório das Nações Unidas afirma que os investimentos na técnica ainda são tímidos por parte dos governos, que preferem financiar o desenvolvimento de biotecnologias e melhoramento de plantas.
Esta sexta-feira (15), Dia da Conservação do Solo, é um bom momento para a reflexão e discussão sobre conceitos como agricultura orgânica e agroecologia, termos cada vez mais correntes quando nos referimos ao desenvolvimento sustentável. No entanto, apesar de terem características em comum e serem normalmente associadas ou mesmo consideradas iguais, essas expressões têm significados diferentes.
Enquanto a agricultura orgânica está ligada a práticas de produção vegetal sem o uso de aditivos ou fertilizantes sintéticos, a agroecologia é um conceito mais amplo, baseado em um circuito fechado que recicla totalmente seus componentes, também sem a utilização de produtos químicos, mas que, além disso, prima pelo desenvolvimento da diversidade genética no espaço agrário, condição não obrigatória ao conceito de agricultura orgânica.
Por isso, a agroecologia têm se tornado peça chave na agricultura e no desenvolvimento sustentável. No entanto, de acordo com documento da ONU apresentado no início de março, apesar de ter um papel essencial para aumentar o rendimento das safras e gerar crescimento econômico, a agroecologia é subestimada por muitos governos.
Para Olivier De Schutter, autor do estudo e relator especial do Direto à Alimentação das Nações Unidas, tem sido muito difícil convencer os governos a investir na agroecologia – em vez disso, estes preferem financiar o desenvolvimento de biotecnologias e melhoramento de plantas.
“Isso é um erro… porque precisamos desassociar a agricultura dos combustíveis fósseis – como petróleo e gás na produção de fertilizantes – e fornecer algo muito mais sustentável. Temos que nos preparar para quando ficarmos sem combustíveis fósseis e ensinar os fazendeiros algo a mais; ensiná-los a não usar recursos externos e em vez disso utilizar insumos naturais”, disse.
O relatório, intitulado Agroecology and the right to food (Agroecologia e o Direito à Alimentação), apresenta os resultados dos últimos cinco anos de pesquisa na área de práticas agroecológicas e defende o aumento da utilização da técnica, que tem tido êxito em diversos locais do mundo.
E outras pesquisas parecem corroborar com o relatório de De Schutter. Uma análise realizada pelo Relatório Foresight: o Futuro da Alimentação e da Agricultura Global em 40 projetos agroecológicos de 20 países africanos indicou que safras de mais de dez milhões de fazendeiros mais do que dobraram em um período entre três e dez anos.
Ramajita Tabo, diretor executivo do Fórum para a Pesquisa Agrícola na África (FARA), concorda que é necessário expandir bons serviços para a agricultura, como escolas agrícolas, onde fazendeiros possam trabalhar junto a cientistas na área agroecológica, mas acrescentou que a agroecologia é apenas parte da solução.
Já Maurice Moloney, diretor do Instituto de Pesquisa de Rothamsted, no Reino Unido, apesar de saudar o relatório em geral, criticou-o por sugerir que a agroecologia seja mais um conjunto de práticas do que uma ciência.
“A agroecologia é um tema científico. O que me preocupa um pouco… é que [a agroecologia] se tornou muito ideológica. E não é ideológica. A agroecologia é uma área legítima da investigação científica”, assegurou.
Brasil
Apesar de ainda estar engatinhando, a agroecologia já vem sendo aplicada em algumas regiões. Em São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por exemplo, agricultores já vêm utilizando técnicas de agroecologia em suas colheitas.
Segundo dados da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, atividades de extensão organizadas, que possibilitam uma rápida disseminação de práticas agroecológicas, aumentaram de uma média de duas mil atividades anuais entre 2004 e 2005 para cerca de 30 mil por ano entre 2007 e 2009.
Para o professor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Rubens Onofre Nodari, no entanto, os recursos despendidos para a agroecologia no Brasil ainda são insuficientes.
Segundo ele, há esforço da sociedade civil em desenvolver a agroecologia e auxílio de instituições externas, mas as fontes de financiamento ainda são poucas e os técnicos que trabalham na área ainda são poucos e insuficientemente preparados.
“Os princípios de reciclagem de nutrientes, diversidade genética e compostagem são os mais aplicados e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) financia alguns cursos agroecológicos, mais ainda é pouco”, diz Nodari.
De acordo com o professor, a certificação dos produtos orgânicos, que desde dezembro de 2007, quando entrou em vigor o decreto do governo federal de nº 6323, é obrigatória, ajudará a desenvolver a agroecologia no país.
Por isso, Nodari acredita que a Lei dos Orgânicos vai incentivar a produção de safras orgânicas no Brasil, e que futuramente esta produção poderá migrar para uma cultura agroecológica. O professor crê ainda que o governo deveria criar políticas públicas, normas de financiamento e organização da cadeia de comercialização para desenvolver a agroecologia, do mesmo modo como têm ocorrido com o agronegócio e com os orgânicos.
Já no setor privado, ele acredita que o papel mais importante é o do consumidor, que deve privilegiar produtos agroecológicos em detrimento dos itens de produção padrão, e que se o preço do produto agroecológico é um pouco maior, o consumidor deve levar em conta os benefícios que terá e proporcionará ao consumir um artigo agroecológico.
Apesar de a agroecologia ser geralmente vinculada à produção em pequena escala, Nodari acha que grandes empresas agro-alimentares também podem desenvolver a agroecologia, mas diz que, neste caso, essas empresas terão de deixar o lucro como um fator secundário, priorizando a qualidade alimentar e o pagamento justo a seus funcionários.
Para o professor, a agroecologia pode também contribuir para a geração de mão-de-obra especializada e para a inclusão social, pois exige mais conhecimento e trabalho, uma vez que a mecanização da produção é menor, e porque desenvolve diversas práticas conjuntas, como cadeias de comercialização, associações, cooperativas etc.
“A agroecologia não é apenas um sistema de produção agrícola, mas também um ato político contra a agricultura predatória e contra as condições de trabalho injustas para o agricultor. Além disso, ajuda na melhoria da qualidade de vida, permitindo tanto ao agricultor quanto ao consumidor não terem contato com fertilizantes e pesticidas. Enfim, mais que uma série de práticas, a agroecologia é uma filosofia de vida”, reflete Nodari.
*Publicado originalmente no site do Instituto CarbonoBrasil.