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ONU revolve o passado e o presente da Espanha

Uma das sessões do Conselho de Direitos Humanos em Genebra. Foto: UNPhotos
Uma das sessões do Conselho de Direitos Humanos em Genebra. Foto: UNPhotos

 

Genebra, Suíça, 27/1/2015 – Desde os cruéis efeitos da atual crise econômica sobre os setores vulneráveis da população da Espanha até as feridas ainda abertas da Guerra Civil (1936-1939), passaram pela peneira do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O Exame Periódico Universal (EPU), um mecanismo da ONU que supervisiona o apego dos países membros aos tratados internacionais sobre os direitos humanos, divulgou no dia 23, nesta cidade da Suíça, 189 recomendações às autoridades de Madri.

O documento “admoesta novamente a Espanha pelo descumprimento” de suas obrigações internacionais em matéria de reparação às vítimas da Guerra Civil e da ditadura de Francisco Franco (1939-1975), afirmou o especialista espanhol Aitor Martínez.

Outro especialista, Ignacio Jovtis, da seção espanhola da Anistia Internacional, considerou “interessante” que um número maior de países fizesse referência às sequelas desse conflito que perduram após a morte do ditador. Ele ressaltou que a Argentina alegou a necessidade de a Espanha reformar seu Código Penal para incorporar a figura do desaparecimento forçado conforme a interpretação que consagra a convenção internacional sobre essa matéria.

As vítimas do conflito, mais de 150 mil, continuam esperando algum tipo de reparação das instituições nacionais, que seguem negando-lhes o acesso à verdade, justiça, reparação, destacou Martínez, diretor de projetos da Fundação Internacional Baltasar Garzón.

As recomendações adotadas pelo Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, só fazem “acreditar na violação pela Espanha de suas obrigações internacionais assinadas em matéria de sanção e reparação dos casos de desaparecimento forçado de pessoas”, apontou o especialista. Dessa forma, após o exame ao qual o país foi submetido dois dias antes, o governo de Madri “mereceu novas advertências das instâncias internacionais”, acrescentou.

O representante da Anistia comemorou que numerosos países tenham exposto sua preocupação pela nova Lei de Segurança Cidadã, já batizada antes de sua aprovação como “Lei Mordaça”, impulsionada, de modo solitário, pelo governante e direitista Partido Popular.

A Grã-Bretanha perguntou às autoridades de Madri com garantirão que essa nova lei de segurança pública não acabe impedindo ou limitando os protestos legítimos, inclusive com restrições aos locais onde podem ser realizadas as manifestações e com multas por infrações menores.

Para Inés Díez de Frutos, responsável pela área jurídica da Rede Acolhe, o que chamou a atenção foi a insistência dos países em cobrar da Espanha o respeito e o acesso aos direitos econômicos e sociais. Por exemplo, o Brasil pediu que as medidas de austeridade, que o governo de Mariano Rajoy aplica, não tenham efeitos negativos sobre essas garantias, especialmente nos direitos a moradia, saúde, alimentação e educação.

Noruega, Nicarágua, Argélia, Egito, Cuba, Venezuela e Eslovênia, entre outros, expressaram preocupação pelo impacto dessas políticas nas populações mais desfavorecidas, nas pessoas com deficiência, crianças, mulheres, idosos e imigrantes.

Durante a sessão sobre a Espanha, uma percepção geral da comunidade internacional foi que desde que o país se submeteu ao primeiro EPU, em 2010, houve no país uma notória deterioração dos direitos humanos. Temas como novas limitações ao direito à educação e à saúde, ou abusos policiais também estiveram entre os toques de atenção das delegações.

“Uma preocupação compartilhada por muitos dos 89 países que intervieram no EPU da Espanha foi precisamente a questão do respeito aos direitos dos imigrantes, tanto regulares quanto irregulares”, afirmou Díez de Frutos. Em particular, pediram à Espanha a ratificação da convenção sobre os direitos dos trabalhadores migrantes e de suas famílias.

A responsável pela Rede Acolhe informou que o chefe da delegação espanhola junto ao EPU, o secretário de Estado Ignacio Ybáñez, respondeu que essa recomendação não será atendida porque seu país ratificará apenas a convenção europeia sobre a matéria. O governo de Madri tem até junho para estudar as 189 recomendações feitas pelo EPU e decidir quais se compromete a cumprir e quais rechaça.

O caso das cidades de Ceuta e Melilla, os enclaves vizinhos ao Marrocos, motivou pedidos por parte de numerosos países de respeito ao direito de asilo. Também se cobrou das autoridades o cumprimento do princípio de “não devolução a quente”, como são chamadas as expulsões rápidas dos imigrantes e solicitantes de asilo que ingressam por essa fronteira. “As expulsões deverão ser precedidas de procedimentos administrativos, com todas as garantias de assistência jurídica e apoio de intérpretes”, ressaltou Díez de Frutos.

Durante o EPU, os Estados Unidos foram o único país que mencionou um tema dominante atualmente na imprensa espanhola: a corrupção. A delegação de Washington pediu ao governo espanhol sólidos esforços para promover um sistema político transparente. Com essa finalidade, sugeriu racionalizar e agilizar os procedimentos judiciais para investigar e perseguir com toda rapidez a corrupção.

As autoridades norte-americanas deverão esperar pela reação de Madri, pois Ybáñez já adiantou ao Conselho de Direitos Humanos que seu país fará uso de seu direito de não manifestar imediatamente sua resposta às recomendações. O atual período de sessões do EPU acontece entre 19 e 20 deste mês no Palácio das Nações nesta cidade, e serão 14 os países a serem examinados. Envolverde/IPS