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ONU se mostra evasiva diante da negação norte-americana de visto a embaixador iraniano

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, saúda Hassan Rouhani, presidente do Irã, antes da reunião ministerial do Movimento dos Não Alinhados, em 27 de setembro de 2013. Junto a Rouhani está Javad Zarif, chanceler iraniano. Foto: UN Photo/Rick Bajornas
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, saúda Hassan Rouhani, presidente do Irã, antes da reunião ministerial do Movimento dos Não Alinhados, em 27 de setembro de 2013. Junto a Rouhani está Javad Zarif, chanceler iraniano. Foto: UN Photo/Rick Bajornas

 

Nações Unidas, 10/4/2014 – Quando a cidade de Nova York foi escolhida para sede da Organização das Nações Unidas (ONU), adotou-se o acordo de 1947 que obrigava Washington a facilitar, ou a não criar obstáculos, ao fluido funcionamento do fórum mundial. Mas, com o passar dos anos, houve claras violações desse acordo, por exemplo, quando os Estados Unidos negaram visto ao líder palestino Yasser Arafat para falar na Assembleia Geral da ONU em 1988, e agora os cancelamentos generalizados de contas bancárias de mais de 70 missões diplomáticas acreditadas junto à sede das Nações Unidas em Nova York.

No dia 7, o Senado dos Estados Unidos pediu de forma unânime ao presidente Barack Obama que negue visto ao embaixador que o Irã acaba de designar junto à ONU, Hamid Abutalebi, com o argumento de que ele participou, em 1979, da tomada de reféns da embaixada norte-americana em Teerã. O embaixador diz que apenas serviu de tradutor e negociador entre os reféns e seus captores, e que ele nem mesmo estava em Teerã quando o grupo Estudantes Muçulmanos ocupou a embaixada.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que atualmente visita a África, se negou implicitamente a intervir na disputa, a julgar pelo que disse um de seus porta-vozes. O vice-porta-voz da ONU, Farhan Haq, declarou à IPS, na semana passada, que se trata essencialmente de uma disputa bilateral entre Estados Unidos e Irã. “Vamos ver o que acontece e se tivermos que nos pronunciar… Veremos o que precisamos dizer”, afirmou.

“Não creio que tomaremos a iniciativa, tentando especular com o que poderia acontecer segundo as atuais circunstâncias”, acrescentou o vice-porta-voz. Perguntado sobre se os Estados Unidos, como país anfitrião, podem impedir que embaixadores junto à ONU assumam seus postos, Haq disse a jornalistas, no dia 8, que não daria declarações, pois o assunto está sendo manejado de maneira bilateral.

Samir Sanbar, ex-secretário-geral adjunto da ONU, que ocupou vários cargos nos mandatos de cinco diferentes secretários-gerais, apontou à IPS que o caso iraniano reflete a confusão existente entre a política bilateral e a diplomacia internacional. “Embora as relações entre dois estados membros estejam sujeitas principalmente às questões recíprocas, os membros da comunidade internacional têm critérios exclusivos mais amplos, incluindo, por exemplo, o acordo de sede da ONU de 1947 com o país anfitrião”, acrescentou.

“Com todo o apoio devido à causa palestina, uma diferença básica a respeito da negação de visto ao presidente Arafat é que, embora a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) tivesse status de observadora, o Irã é membro fundador da ONU, independente da inclinação política” de seu governo, pontuou Sanbar, ex-chefe do Departamento de Informação Pública das Nações Unidas.

Logo depois da votação no Senado, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americana, Marie Harf, disse à imprensa que Washington tinha “sérias preocupações” a propósito da designação do embaixador iraniano. “Mas levamos muito a sério nossas obrigações como nação anfitriã da ONU”, destacou.

Consultado sobre se havia sido negado visto a algum embaixador acreditado perante à ONU, Haq afirmou que essa é uma questão histórica que data de muito tempo. “A Biblioteca da ONU tem muitos recursos para que vocês possam averiguar algo que remonta à história das Nações Unidas”, apontou. “O que posso dizer é que houve tempos com diferentes problemas sobre as credenciais, que foram resolvidos de diferentes maneiras. Em essência, cada caso é único”, acrescentou.

Em seu discurso na Assembleia Geral de 1988, em Genebra, talvez a única de seu tipo, Arafat atacou Washington: “Nunca me ocorrera que minha segunda reunião com essa honorável Assembleia desde 1974 teria lugar na hospitaleira cidade de Genebra”. Quando Washington proibiu a entrada de Arafat, quem presidia os Estados Unidos era o republicano Ronald Reagan (1981-1989).

No mês passado, um embaixador africano que teve canceladas arbitrariamente suas contas bancárias disse aos delegados que é hora de considerar seriamente a realocação da sede da ONU longe dos Estados Unidos, pelo ambiente cada vez menos amigável em relação aos diplomatas do fórum mundial em Nova York.

Sanbar disse à IPS que, quando a Assembleia Geral se mudou temporariamente para Genebra para ouvir Arafat, o funcionário mais veterano da Secretaria-Geral da ONU e dos Estados Unidos naquele momento, Joseph Verner Reed, republicano como Reagan, assumiu uma posição valente ao participar da reunião.

É interessante destacar a posição assumida pelo atual secretário-geral adjunto da ONU para Assuntos Políticos, Jeffrey Feltman, ex-embaixador dos Estados Unidos no Líbano e secretário de Estado adjunto dos Estados Unidos para Assuntos do Oriente Próximo, que, como funcionário da ONU, já visitou Teerã duas vezes, acrescentou Sanbar. “Pela natureza de seu trabalho, a ONU é uma organização de paz. Todo passo para a reconciliação será melhor do que as tentativas de confrontação”, enfatizou. Envolverde/IPS