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ONU tenta dar um basta aos mercadores do ódio

Guardas de fronteira em Bangladesh impedem a entrada de refugiados rohingya. Foto: Anurup Titu/IPS

 

Nações Unidas, 27/2/2013 – Em meio a uma onda de intolerância racial e religiosa em todo o planeta, a Aliança de Civilizações das Nações Unidas (Unaoc) se reúne em Viena esta semana para fortalecer as relações culturais em um mundo que considera “alarmantemente fora de equilíbrio”. Nesta era de interconexões e informação, “talvez não possamos deter cada mercador do ódio em cada parte do mundo, mas podemos construir pontes suficientemente fortes para resistir a essas forças”, afirmou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon.

E a tarefa de construir essas pontes é uma das principais responsabilidades da Unaoc, que realiza seu V Fórum Mundial, destinado a “promover uma liderança responsável em diversidade e diálogo”. Os últimos quatro fóruns foram realizados em Madri (2008), Istambul (2009), Rio de Janeiro (2010) e Doha (2011). O de Viena, que acontece hoje e amanhã, é o primeiro encabeçado pelo novo alto representante da Unaoc, Nassir Abdulaziz Al-Nasser, do Catar, ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, e presidente do Conselho Diretor da agência de notícias IPS (Inter Press Service).

Consultado sobre a forma mais efetiva de remediar os crescentes problemas de xenofobia, antissemitismo e islamofobia, o diretor da Unaoc, Matthew Hodes, disse à IPS que a intolerância e a discriminação sempre são uma parte triste e inaceitável da experiência humana, e devem ser completamente erradicadas.

“O que a comunidade internacional pode fazer, o que os órgãos da ONU podem fazer e o que continuaremos fazendo é manter a luta contra esses flagelos”, afirmou Hodes. Seja estabelecendo padrões por meio de instrumentos internacionais, denunciando abusos ou com esforços proativos de reconciliação, “todos temos um papel a desempenhar nessa luta”, ressaltou.

Por outro lado, a propagação dos crimes de ódio também é atribuída à cobertura sensacionalista de grandes meios de comunicação internacionais. Quando a ONU comemorou o Dia Internacional da Paz, em setembro, as celebrações foram manchadas por notícias de uma onda de ódio no mundo islâmico, a contínua e sangrenta guerra civil na Síria, atentados suicidas no Afeganistão e Iraque e violentas manifestações em Bangladesh, Indonésia e Paquistão contra um vídeo acusado de ofender a imagem do profeta Maomé.

Em seu discurso, Ban Ki-moon alertou que o mundo enfrenta violência por culpa do fanatismo, mas também apontou a responsabilidade da mídia. No mundo de hoje – disse – os que mais levantam a voz são os que têm o microfone. “As câmeras de televisão focam a periferia. Os extremistas ganham facilmente publicidade com suas fogueiras de fanatismo”, afirmou.

Por sua vez, Navi Pillay, alta comissariada das Nações Unidas para os Direitos Humanos, também expressou suas reservas sobre a forma como a imprensa cobre os fatos relacionados com intolerância religiosa, dizendo que a melhor forma de vencer esse fenômeno é ignorá-lo.

Perguntado se o sensacionalismo na imprensa é um fator que contribui para os crimes de ódio, Hodes disse à IPS que “as sociedades mais livres no mundo são aquelas cuja mídia não tem censura”. Porém, destacou que os profissionais da mídia devem seguir certos padrões para garantir que seu trabalho aconteça de forma responsável.

Segundo Hodes, a imprensa tem um papel central nos esforços para melhor compreensão de temas delicados, como a intolerância religiosa, as migrações e a diversidade. Todos esses fatores podem contribuir para polarizar as comunidades. “A Unaoc tenta enfrentar este desafio convocando regularmente editores e proprietários de meios de comunicação, bem como especialistas, para estabelecer uma plataforma para o diálogo que derive em recomendações concretas”, explicou. “E procuramos organizar uma reunião sobre religião e intolerância religiosa no próximo ano”, ressaltou.

Indagado sobre a islamofobia, uma das formas mais propagadas de intolerância, Hodes afirmou: “Ao que parece, uma agenda de medo se arraigou em certas partes do mundo. Mas isso não pode justificar que se manche toda uma religião ou seus seguidores”. “A islamofobia é um fenômeno real em certos lugares e deve ser enfrentada”, pontuou.

Um documento de reflexão preparado pela Secretaria da Unaoc e pelo Ministério Federal da Áustria para Assuntos Europeus e Internacionais, que será discutido no fórum de Viena, se concentrará em como os líderes mundiais podem fazer uma diferença em três aspectos fundamentais.

O primeiro é a promoção, proteção e o pleno gozo do direito à liberdade religiosa em um contexto de pluralismo, que inclui não apenas uma diversidade maior, mas também a interação entre diversos grupos religiosos. Em segundo lugar, o pluralismo de meios de comunicação e a diversidade do conteúdo jornalístico, bem como sua contribuição para o debate público, a democracia e a consciência da diversidade de opiniões. E, por fim, a criação de um novo discurso sobre as migrações, a integração e a mobilidade na economia mundial. Envolverde/IPS