A ONU tenta não perder o trem da Ucrânia

  Nações Unidas, 7/3/2014 – Quando a crise da Ucrânia entrou nas sagradas salas do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), no começo deste mês, o debate já era como um bebê que nasce morto.

Atualizado em 07/03/2014 às 13:03, por Ana Maria.

Mark Lyall Grant, embaixador da Grã-Bretanha na ONU, conversa com sua colega dos Estados Unidos, Samantha Power, durante a reunião do Conselho de Segurança, no dia 3. Foto: UN Photo/Evan Schneider

 

Nações Unidas, 7/3/2014 – Quando a crise da Ucrânia entrou nas sagradas salas do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), no começo deste mês, o debate já era como um bebê que nasce morto. Depois de duas reuniões, nos dias 1 e 2, o Conselho estava sem saída, incapaz ou reticente em adotar uma resolução ou conseguir algo muito mais básico: uma declaração de seu presidente com apoio de seus 15 membros.

Contudo, não se deve descartar a importância da ONU na atual turbulência política da Ucrânia, segundo James Paul, que por mais de 19 anos foi diretor-executivo do Global Policy Forum, com sede em Nova York. “É uma situação que exige diplomacia multilateral e urgente manutenção da paz”, disse Paul à IPS. A ONU pode ser um espaço de soluções, mas não na forma como os especialistas costumam vê-la, ressaltou.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em viagem à África ocidental, está comunicado e ativo tentando resolver a crise. E seu segundo, o subsecretário-geral Jan Eliasson, está na Ucrânia. Ban também nomeou o holandês Robert Serry como seu enviado especial para esse país.

No dia 4, Serry, que foi embaixador de seu país na Ucrânia, acabou interceptado por um grupo de homens armados enquanto realizava uma visita à península da Crimeia, o novo foco da crise. O carro em que viajava foi cercado e ele se viu obrigado a abandonar o lugar sob a mira de pistola.

Para Stephen Zunes, professor de política e coordenador de estudos sobre Oriente Médio na Universidade de São Francisco, o fim da Guerra Fria não significou uma mudança na conduta da Rússia e dos Estados Unidos, que costumam pisotear a Carta da ONU e realizar intervenções militares ilegais. “E como os dois países têm poder de veto, a ONU não tem como detê-los”, disse Zunes à IPS.

Mas, em um mundo cada vez mais interdependente, ser um fórum para debater, expor e questionar tais agressões permite à ONU ainda conservar um impacto positivo, estimou Zunes, que escreveu muito a respeito da errática política do Conselho de Segurança. Por sua vez, Paul disse que “sobre a Ucrânia temos uma previsível paralisia no Conselho de Segurança, tal como ocorreu na maior parte dos capítulos dessa rivalidade de longa data” entre Moscou e Washington.

O Conselho agora está bloqueado pelo veto da Rússia, como frequentemente está pelo dos Estados Unidos. Mas isso não implica que a ONU esteja fora do jogo, como muitos pensam, observou Paul. “Os meios de comunicação informam sobre reuniões e declarações, mas grande parte da diplomacia da ONU se dá de maneira informal, nos corredores”, acrescentou.

Os cinco membros permanentes e com poder de veto do Conselho (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia) se reúnem constantemente nos bastidores, em almoços ou nas salas de conferências de suas respectivas missões. Esses encontros são “um mecanismo absolutamente crucial de comunicação entre rivais e um meio potencial para resolver o conflito, ou alguns de seus aspectos mais importantes”, destacou Paul.

Os governos não gostam de reconhecer, porque é nessa hora que jogam suas cartas mais agressivas. Troca-se ameaças, se expressa indignação, se movimenta tropas e muito mais, disse Paul. “Mas é de se esperar que se chegue a um acordo de forma privada, possivelmente silenciosa, com os bons ofícios da ONU como meio para conseguir um acordo entre as facções políticas que se enfrentam na Ucrânia”, acrescentou.

“Assim, é possível que vejamos as cinco potências apresentarem um projeto de resolução ao Conselho de Segurança que pelo menos alivie a situação, tal como fizeram no caso da Síria”. Esse é o verdadeiro funcionamento da ONU no complexo e instável mundo atual. “Esperemos que desta vez volte a funcionar”, disse o especialista.

Na reunião do dia 3, o embaixador da Rússia, Vitaly Churkin, tentou justificar perante o Conselho a intervenção militar de seu país na república autônoma ucraniana da Crimeia como uma tentativa de proteger “os milhões de russos que vivem na Ucrânia”. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, rechaçou este argumento, mas Churkin recordou a invasão norte-americana de 1983 à pequena ilha de Granada, no Caribe, e destacou que Washington a realizou “para proteger milhares de norte-americanos que ali viviam”.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, advertiu o presidente da Rússia, Vladimir Putin: “O senhor não invade outro país com um pretexto falso, em direta e aberta violação do direito internacional”. Embora a admoestação seja válida, não soa confiável partindo de quem apoiou entusiasticamente a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos com o pretexto falso das “armas de destruição em massa”, afirmou Zunes.

Em sua opinião, a consequência humanitária mais grave que pode ter a crise ucraniana é que pode minar o papel cooperador que a Rússia vem tendo para resolver a guerra civil da Síria, e, portanto, prolongar esse banho de sangue. Um rompimento entre Washington e Moscou pode afetar outras situações de conflito nas quais é importante sua cooperação, com as de Irã, Coreia do Norte e Oriente Médio.

Para Paul, no conflito da Ucrânia, as potências estão abrindo, em uma periferia da Rússia, um novo capítulo do que se poderia chamar de batalha pela Eurásia. Houve outros conflitos vinculados a esse processo, como as guerras dos Bálcãs, a guerra no Iraque e o conflito sírio. O avanço para o leste da Organização do Atlântico Norte (Otan) e da União europeia (UE) são fenômenos relacionados.

“Os conflitos vinculados a esses processos costumam se apresentar na imprensa como enfrentamentos binários entre o bem e o mal”, pontuou Paul. Mas, na verdade, não são mais do que geopolítica cínica, acrescentou. As ações das duas partes são temerárias e um perigo para a paz. Nem as potências ocidentais nem o governo russo estão agindo em apoio a forças democráticas ou por resultados justos, prosseguiu. “Isso é muito claro na Síria e também na Ucrânia. Assim, o pensamento binário é falso”, enfatizou. Envolverde/IPS


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