Sessenta e três entidades da América Latina e Caribe solicitam a seus governos a adoção de medidas oposicionistas frente à próxima temporada de caça ‘científica’ de baleias pelo Japão no Oceano Austral
Medidas diplomáticas e de rechaço à dita caça para fins ‘científicos’ na Antártida, realizada na realidade com caráter comercial pelo Japão, é o que desejam as organizações que trabalham com conservação marinha na região, segundo a carta entregue a 14 países do Grupo Buenos Aires, entre eles o Brasil.
Segundo a denuncia das organizações, a cota anual de baleias caçadas sob o programa JARPA II, iniciado em 2006, aumentou quase 50% ao ano devido a concessões especiais, alcançando níveis similares a cota anual de caça comercial à baleia minke antártica antes da implementação da moratória.
A caça para fins ’científicos” é uma prática tolerada pela Comissão Internacional da Baleia (CIB), que proíbe desde 1986 a caça comercial aos cetáceos. “Além de construir uma fachada para encobrir as operações baleeiras de caráter comercial e violar a moratória sobre a caça comercial, o programa representa uma crescente e preocupante ameaça à governança do Oceano Austral, à segurança da vida humana em alto mar e à proteção do delicado ecossistema marinho antártico”, relata a carta.
Segundo José Truda Palazzo, do Centro de Conservação Cetácea Brasil, a CIB atua com base em um tratado arcaico, a Convenção Baleeira de 1946, que permite expressamente através de seu Artigo 8º que os países se auto-outorguem licenças de captura para fins científicos.
“Logicamente, o que o Japão faz é um abuso do direito concedido por esse Artigo, tanto que a Austrália está processando o país na Corte Internacional de Justiça, mas a CIB alega que não pode fazer nada. A CIB se transformou num anacronismo no século XXI, e acredito que a conservação das baleias no plano global estaria melhor se essa Comissão acabasse e fosse substituída por um tratado moderno de conservação dos cetáceos. Mas falta vontade política, mesmo dos países que se dizem “conservacionistas”, para dar esse passo à frente”, afirmou Palazzo.
Além da segurança ambiental contra a caça de animais ameaçados de extinção como a baleia jubarte, as organizações denunciam a quebra do Tratado Antártico como uma zona de paz livre de armas, já que o governo japonês pretende enviar uma embarcação de escolta para proteger a tripulação baleeira.
“É inaceitável que o governo japonês transforme novamente as águas do Santuário de Baleias do Oceano Austral no cenário de massacre de centenas de baleias que se encontram protegidas”, lamentou a diretora executiva do Centro de Conservação Cetácea do Chile Elsa Cabrera.
A carta ainda acrescenta a preocupação sobre a conduta do governo japonês no âmbito da CBI, “mostrando a sua nula disposição em melhorar o funcionamento deste importante organismo”.
As organizações brasileiras que assinaram a carta são: Centro de Conservação Cetácea Brasil, Instituto Baleia Jubarte e Centro Golfinho Rotador.
De acordo com Palazzo, o governo do Brasil mantém uma posição firmemente conservacionista na CIB, graças principalmente à atuação do Itamaraty, mas poderia fazer bem mais.
“Estou convencido de que a proposta brasileira de criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul não prospera porque as gestões que deveriam ser feitas em altíssimo nível, de Presidente para Primeiros-Ministros e outros Presidentes, simplesmente não acontece. Aí, vemos o sujeito do Gabão, de quem o Brasil há pouco perdoou centenas de milhões em dívidas, literalmente xingar a delegação brasileira nas plenárias da CIB e votar com os baleeiros japoneses, e fica por isso mesmo. O Brasil tinha de exercer mais pressão em nível mais elevado pra lograr seus objetivos de conservação no Atlântico Sul” resumiu o ecologista, que lançará na semana que vem o livro SOS Baleias.
Histórico
Em uma nota divulgada em fevereiro, o Grupo Buenos Aires já havia reafirmado seu “compromisso com a conservação das baleias, a manutenção da moratória comercial em vigência desde 1986, a promoção do uso não letal do recurso e o respeito à integridade dos santuários baleeiros reconhecidos pela CBI”, rejeitando a caça dos cetáceos.
Logo após esta manifestação, o governo japonês decidiu suspender sua campanha de caça às baleias na Antártida até o final da temporada passada, porém motivado pela “dificuldade de se garantir a segurança das tripulações diante do assédio incessante da Sea Shepherd”, alegou na ocasião o ministro da Agricultura e Pesca, Michihiko Kano.
As capturas da frota japonesa, que tem uma cota anual de cerca de mil cetáceos, foram reduzidas para 507 baleias no ano passado, fato que a Agência de Pesca atribuiu às atividades de “obstrução” da Sea Shepherd.
O Japão anunciou no início de outubro que vai regressar às águas da Antártida a partir de Dezembro para caçar. Mas desta vez, a frota baleeira terá uma escolta nipônica para proteção contra os navios ecologistas da Sea Shepherd.
A ONG mobiliza várias embarcações para seguir a frota japonesa, utilizando cordas para bloquear as hélices dos navios japoneses e colocando-se entre estes e as baleias. A organização garante ter conseguido evitar a morte de 800 animais.
Outras ameaças
Em meio a este embate, a Convenção sobre Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens sob o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP/CMS, em inglês) divulgou um relatório que detalha as mais recentes descobertas científicas sobre a distribuição, migração, comportamento e ameaças aos cetáceos.
O alerta trazido pelo relatório é diretamente relacionado ao bycatch, ou seja, a captura de espécies diferentes da espécie-alvo na pesca. A constatação é que 86% dos Odontoceti, uma subordem de cetáceos popularmente chamada de baleias com dentes, como as a cachalote e os golfinhos, morrem emaranhados em armadilhas, redes de emalhar e de arrasto, espinhel e outros aparatos pesqueiros.
Além disso, a sobrepesca das suas presas também foi identificada como uma ameaça a 13 espécies em 2011 em comparação com 11 em 2001. O relatório enfatiza que a caça local, matanças ou capturas deliberadas são ameaças graves.
A secretária executiva da UNEP/CMS Elizabeth Mrema, comentou que lidar com estas ameaças exige regulamentação internacional e que durante a 10 ° Conferência das Partes da CMS em novembro será discutida a adoção de um Programa de Trabalho Global para Cetáceos.
*publicado originalmente no site do CarbonoBrasil.