Seattle, Estados Unidos, 2/1/2012 – Tentar melhorar o mundo é um enorme desafio, mas muitas pessoas estão dispostas a assumi-lo com paixão. Segundo estudo elaborado em 2009 pela Universidade de Stanford, a cada dez a 15 minutos se registra uma nova organização sem fins lucrativos apenas nos Estados Unidos. Como consequência, há tantos projetos de ajuda quanto as cores do arco-íris.
O quanto pode ser difícil? Encontre um problema e resolva-o.
Problema: as mulheres no Afeganistão estão oprimidas.
Solução: ajude-as criando um centro comercial apenas para elas, o que lhes permitirá ganhar dinheiro e experiência nos negócios.
Problema: milhões de africanos carecem de acesso a água potável.
Solução: instalar carrosséis conectados a bombas de água em diferentes partes do continente e permitindo que meninos e meninas distribuam água potável simplesmente brincando.
Problema: inúmeras crianças na Tailândia ficaram órfãs por causa do tsunami.
Solução: construir orfanatos.
A ajuda humanitária pode ser tão simples assim?
O centro comercial para mulheres no Afeganistão nunca prosperou, e ficou cheio de homens que compram e vendem materiais de construção. As bombas de água foram criticadas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e a organização de ajuda que as propôs acabou suspendendo o projeto.
Quanto aos orfanatos na Tailândia, os dois que foram construídos acabaram praticamente vazios, já que a maioria dos órfãos do tsunami de 2004 foi adotada por familiares ou pelo governo. Muitas das crianças que foram para esses estabelecimentos eram de famílias pobres que não podiam alimentá-las e utilizavam os orfanatos como creches diurnas.
O que deu errado? Por acaso, as intenções não eram bem dirigidas?
Não, segundo Sandra Schimmelpfennig, criadora do blog “As boas intenção não bastam”. Com experiência como consultora de doadores, trabalhou como coordenadora de uma organização de ajuda na Tailândia depois do tsunami, e presenciou o fracasso dos orfanatos. Ela assegurou que essas tentativas falidas de ajuda são muito comuns.
“Uma enorme porcentagem (das organizações na Tailândia) seguiu um modelo incoerente”, afirmou Schimmelpfennig. “A maioria era dirigida por pessoas com experiência zero. Talvez, 10% realmente procurassem aprender com seus erros”, acrescentou. Os maus projetos tomam várias formas, mas a maioria coincide em omitir passos básicos, como quantificar previamente as necessidades, consultar especialistas das comunidades locais e realizar honestas avaliações finais, segundo Schimmelpfennig.
Às vezes, a ambição e a novidade de uma ideia fazem com que o projeto perca contato com a realidade. Um exemplo é o fracasso da Playpump International na África. Esta organização planejava instalar quatro mil carrosséis conectados a bombas d’água, em 2010. A novidade da ideia atraiu milhões de dólares do governo dos Estados Unidos e de outros doadores, incluindo várias celebridades. Entretanto, o plano fracassou devido ao alto custo das bombas, sua tendência a quebrar, às dificuldades para operá-las e à falta de consultas às comunidades locais, segundo um informe do Unicef de 2007. Em março de 2010, a Playpump International fechou e doou seus bens.
Quanto ao centro comercial para mulheres criado em Cabul em 2007, seu funcionamento foi inibido pelos altos custos dos produtos e pelo lugar escolhido para sua instalação, que atraía pouco público. Financiado pela cooperação alemã GTZ e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, foi praticamente abandonado em 2009.
A campanha “1millionshirts.org”, que pretendia arrecadar um milhão de camisetas e enviá-las a africanos pobres, também fracassou por carecer da mais básica avaliação prévia de necessidades. Seu fundador nunca visitou a África nem trabalhara em um projeto de ajuda internacional. A iniciativa foi duramente criticada e acabou suspensa em 2010.
Estes projetos têm em comum um tipo de incentivadores que Schimmelpfennig chama de “brancos em armaduras brilhantes”: estrangeiros que se consideram em posição especial para ajudar os menos afortunados em países pobres e que correm para solucionar problemas de comunidades cujas necessidades e circunstâncias reais desconhecem.
Robert Bortner, diretor e fundador da Rede para o Poder de Comunidades, tem um enfoque diferente sobre a ajuda. Para ele, não se trata apenas de atender necessidades concretas. “É preciso identificar qual é a raiz da necessidade. As pessoas no terreno entendem seus problemas imediatos muito melhor do que nós, mas, às vezes, não compreendem a causa”, afirmou.
A Rede, com sede no Estado norte-americano de Washington, trabalha pelo desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira, primeiro permitindo que as próprias comunidades identifiquem suas prioridades e seus objetivos, depois ajudando-as a alcançar suas metas e oferecendo assessoria e capacitação e, por fim, incentivando-as a construírem uma economia local.
No entanto, Bortner compreende a tendência de ajudar as comunidades simplesmente doando “coisas”, pois “é muito mais fácil financiar coisas do que algo social ou psicológico. Porém, é preciso ser honesto e ver o que funciona e o que não funciona”, afirmou. No entanto, muitos grupos resistem a esse tipo de avaliação. É comum organizações subestimarem os fracassos e até alterarem os informes finais a ponto de apenas ressaltar as coisas boas.
“Todas as organizações de ajuda temem a má publicidade”, explicou Schimmelpfennig. “Como os doadores não podem ver realmente os resultados do trabalho feito pela maioria dos grupos, estes recebem doações quase exclusivamente por sua reputação e forma como divulgam sua atividade. Se admitem erros, podem se tornar públicos e os financiadores poderão questionar se realmente mereciam o dinheiro”, acrescentou. Inclusive, alguns doadores desprezam as avaliações, considerando-as um desnecessário gasto de dinheiro, esclareceu.
Entretanto, está ganhando força uma tendência a identificar as falhas. O site Admitindo Erros, criado pelo escritório canadense da organização Engenheiros Sem Fronteiras, permite ao público buscar e fornecer dados de projetos de ajuda humanitária que falharam. “Escondendo nossos erros, estamos condenados a repeti-los”, diz o site. Envolverde/IPS