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Organizações obrigam divulgação de documentos sobre espionagem nos Estados Unidos

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Spokane, Estados Unidos, 16/9/2013 – Após mais de dois anos de luta para impedir sua divulgação, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgou inúmeros documentos relativos à espionagem interna de cidadãos por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA). Também publicou as decisões judiciais que autorizaram os controvertidos programas desse órgão seguirem adiante. Na noite do dia 10, o Departamento de Justiça deu a conhecer os documentos à União Americana de Liberdades Civis (Aclu) e à Electronic Frontier Foundation (EFF), que apresentaram uma demanda para obrigar a divulgação.

As duas organizações também mantêm litígios, cada uma por sua conta, contra a NSA, desafiando juntas seu programa de espionagem interna. O diretor de Inteligência Nacional, James Clapper, também publicou os documentos no site de seu escritório. Em tela está um programa pelo qual a NSA coleta o que se conhece como metadados relativos a cada telefonema nos Estados Unidos. O programa ficou conhecido este ano devido às denúncias de Edward Snowden, que era funcionário da empresa privada de inteligência Booz Allen Hamilton. Snowden vazou informação secreta a esse respeito e hoje vive na Rússia como asilado político.

Alguns dos documentos mais significativos da desclassificação são as decisões do Tribunal de Vigilância da Espionagem Externa (Fisc), que autorizou que esse programa de metadados telefônicos avançasse nos últimos anos. A divulgação do documento “revela umas poucas coisas”, indicou à IPS Trevor Timm, analista político da EFF. “Primeiro, a NSA admitiu no Tribunal (Fisc), em 2009, que não tinha uma só pessoa capaz de entender adequadamente seu sistema de vigilância, o que é uma admissão extraordinária, porque o sistema existe apenas porque o Tribunal o autorizou, com base nas próprias explicações da NSA”, pontuou.

“Isto mostra que a NSA responde por si mesma. Pode sair impune de tudo e não diz nada ao Tribunal, e não haverá repercussões ou maneira de alguém averiguar”, destacou Timm. No dia 9 de julho, o Tribunal ordenou ao Departamento de Justiça que se reunisse com as partes que buscavam ter acesso aos registros do Fisc e com outros agentes para negociar a divulgação voluntária da maior parte possível de documentos. Segundo a EFF, alguns registros ainda não foram liberados, mas pelo menos isto reduziu o alcance da disputa nos tribunais.

A EFF ainda espera que seja divulgada pelo menos uma opinião crucial do Fisc, especificamente relativa à interpretação da palavra “relevante”. Esta aparece no Parágrafo 215 da emendada Lei Patriótica e é a justificativa da NSA para coletar metadados telefônicos nos Estados Unidos. A NSA afirma que os metadados de cada cidadão é relevante para a segurança nacional. “Ainda pensamos que obteremos esse documento. Isso terá efeito mais direto sobre a demanda” contra o programa, ressaltou Timm.

Em resposta à ordem judicial de 19 de julho, o Departamento de Justiça disse que podia divulgar mais registros do que antes graças a uma diretriz do presidente Barack Obama, de 9 de agosto, para liberar “a maior quantidade de informação possível sobre estes programas”. Porém, a EFF não considera que o governo tenha facilitado a informação voluntariamente. “A diretriz presidencial não foi a causa de começarem a divulgar informação, mas sim porque o Tribunal lhes ordenou”, afirmou Timm.

“Devido à diretriz, as negociações melhoraram. Lutaram com unhas e dentes para impedir que esta informação se tornasse pública. Nem mesmo nos disseram a quantidade de páginas envolvidas. Disseram: se divulgarmos uma palavra disto causará um dano significativo (…) à segurança nacional”, contou Timm. Desde as revelações de Snowden, ficou demonstrado que isso era ridículo. “Estas coisas deveriam ter vindo a público há anos”, opinou.

Em janeiro de 2009, a NSA revelou ao Tribunal que não cumprira seus próprios procedimentos para minimizar o uso de informação privada e constitucionalmente protegida dos cidadãos. A NSA violara ordens judiciais em inúmeras ocasiões em que havia investigado norte-americanos sem que houvesse suspeita alguma de uma ligação terrorista. A NSA tinha uma lista de aproximadamente 18 mil números de telefone que coletou e também usou, mas só tinha suspeitas razoáveis de vínculos terroristas para cerca de dois mil deles.

Uma ordem de 3 de março de 2009, emitida pelo juiz da Fisc, Reggie B. Walton, e obtida pelas organizações, revela um descontrole na agência federal. “O Tribunal primeiro autorizou a coleta do grosso dos metadados em 2006”, disse à IPS Patrick Toomey, advogado e membro do Projeto de Segurança Nacional da Aclu. “Em 2009, descreve as muito rigorosas restrições que impôs ao uso deste registro de metadados telefônicos, e detalha as maneiras como o governo desafiou ou descumpriu essas restrições”, afirmou.

“Provavelmente, o ponto mais perturbador que surgiu destes documentos foi o grau do descumprimento do governo com a ordem judicial”, acrescentou Toomey. Segundo a NSA, não se pode esperar privacidade para os metadados no contexto da Quarta Emenda, porque essa informação é considerada propriedade das companhias telefônicas. “Se aferraram a um caso dos anos 1970, que permitia aos agentes da lei coletar uma chamada telefônica por pessoa”, contou Timm, se referindo a “Smith versus Maryland”, um caso de 1979 decidido pela Suprema Corte.

Coletar os metadados telefônicos de todos os moradores dos Estados Unidos “não é exatamente o que a Suprema Corte buscava ou sabia que poderia ocorrer quanto tomou essa decisão”, ponderou Timm. A NSA também argumentou que não violava os direitos dos cidadãos apenas por coletar e armazenar seus metadados telefônicos, porque só usa a informação quando necessita delas.

Entretanto, a Aclu discorda dessa lógica. “Não importa o que faz o governo com a informação. Para a Quarta Emenda e os fins de privacidade, o governo tomou para si informação que revela detalhes pessoais, políticos, religiosos e inclusive médicos”, alertou Toomey. “Se o governo tomou o diário pessoal de alguém e prometeu não ler o que continha, isso, de todo modo, seria uma apreensão, e não só pelo interesse do autor na propriedade do papel”, ressaltou. Envolverde/IPS