Washington, Estados Unidos, 17/11/2011 – Enquanto a crise grega sacode a zona do euro e os movimentos de indignados dos Estados Unidos criticam cada vez mais o sistema neoliberal dominante, multiplicam-se as análises sobre a extinção da velha ordem econômica. As promessas feitas há décadas pelas nações ricas e industrializadas de ajudar o Sul em desenvolvimento continuam não sendo cumpridas, e cresce a dúvida sobre quem as assumirá.
Cerca de dois mil delegados governamentais e especialistas preparam as malas para participar do 4º Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, entre 29 deste mês e 1º de dezembro, na cidade sul-coreana de Busan. E em todos os continentes se levanta o chamado para que as economias emergentes, especialmente Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), assumam o desenvolvimento global.
Segundo o Banco Mundial, os Brics prometeram US$ 26 bilhões em empréstimos ao mundo em desenvolvimento entre 2000 e 2008, a maior parte procedente da China. Estes cinco países possuem US$ 4,3 trillhões em reservas de divisas, três quartos dos quais estão em bancos chineses. Em 2014, concentrarão 60% do crescimento econômico mundial. Entretanto, ainda são deixados de lado pelas tradicionais economias ricas do Norte, especialmente no tocante à assistência ao desenvolvimento.
“A Declaração de Paris, de 2005, foi adotada no contexto da divisão Norte-Sul. A Agenda de Acra, de 2008, foi pouco ampliada para incluir algumas frágeis declarações sobre a cooperação Sul-Sul”, segundo o Centro de Estudos Chineses, da Universidade de Stellenbosch, da África do Sul. A Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento propõe objetivos para melhorar a qualidade da ajuda e seu impacto. Três anos depois, para acelerar seu avanço, foi redigida, na capital de Gana, a Agenda de Ação de Acra, que propõe associações mais inclusivas e impactos que possam ser medidos, entre outros pontos.
E enquanto Estados Unidos e União Europeia reduzem fundos de ajuda oficial ao desenvolvimento para países de baixa renda, provavelmente se pedirá aos Brics que preencham esse vazio. Em Busan será dada prioridade à África, onde estão 33 dos 48 países menos adiantados. Segundo as últimas estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), 50% da população do Sul do Saara vive com menos de US$ 1,25 por dia.
A situação se agravou porque as nações ricas não cumpriram a resolução da Assembleia Geral da ONU de 1970 que pede a destinação de 0,7% do produto interno bruto de cada uma para a ajuda ao desenvolvimento. Dificilmente os países ricos cumprirão agora esse objetivo, o que aumentaria a pressão sobre os Brics.
“A importância significativamente maior da China no comércio e os investimentos mundiais são amplamente reconhecidos. A Rússia interessa não apenas por seu tamanho, mas porque, sendo um exportador de petróleo, tem capacidade de acumular reservas”, disse à IPS a economista indiana Jayati Ghosh, da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi.
“As possibilidades da Índia são maiores do que seu papel atual, e a África do Sul e o Brasil não são apenas as economias maiores de suas respectivas regiões, mas pertencem a redes maiores, como Mercosul e Nepad”, acrescentou Ghosh, referindo-se ao Mercado Comum do Sul e à Nova Aliança para o Desenvolvimento da África. “O fato de esses países terem se aliado indica que reconhecem a necessidade de conectar centros fortes independentes e diferentes dos oferecidos por Estados Unidos, Europa e Japão”, ressaltou.
Em um exemplo de ação coletiva dos Brics, seus dois principais membros e rivais, Índia e China, divulgaram um comunicado conjunto no dia 9 pedindo urgência aos países ocidentais no sentido de “adotarem políticas macroeconômicas responsáveis para atender os problemas de dívida e estabilidade financeira de forma adequada”. O documento, apresentado pelo Ministério das Finanças chinês, condensa o resultado conseguido no Quinto Diálogo Econômico Índia-China, que terminou no dia 8 em Nova Délhi.
A declaração critica a zona do euro pelo manejo da crise da dívida soberana e por permitir que suas consequências tenham impacto no Sul em desenvolvimento. “Nos mercados emergentes, onde o crescimento é relativamente mais forte, há claros sinais de diminuição, pois os acontecimentos nas economias avançadas começam a criar preocupação em nossos países”, diz o comunicado.
Porém, a unidade não é totalmente sólida, pois o Ministério das Finanças da Índia se apressou a afastar-se da forte admoestação ao Ocidente. Foi evidente a ausência do documento na imprensa indiana, o que levou numerosos analistas a reiterarem sua desconfiança sobre as possibilidades de o grupo Brics exercer um papel coletivo no cenário internacional, particularmente porque suas prioridades e estratégias socioeconômicas e geopolíticas são amplamente divergentes.
“Não vejo base para esses países se agruparem”, afirmou Rajan Menon, presidente do departamento de relações internacionais da Universidade de Lehigh. “Dizer que é um grupo e uma prestidigitação interessante, passa a ilusão de uma entidade capaz de atuar em conjunto. Porém, não vejo na história desses países como podem trabalhar em um coletivo coeso”, declarou à IPS. “Se tirarmos a China, qual será a capacidade residual dos demais países do grupo para terem uma incidência global? Dificilmente o Brics é comparável com outros centros de poder”, acrescentou.
Na verdade, o comércio dos últimos dez anos entre os países desse grupo reafirma o argumento de Menon. As exportações do Brasil para a China aumentaram de US$ 1,1 bilhão para US$ 21 bilhões entre 2000 e 2010, enquanto suas importações de produtos chineses subiram de US$ 1,2 bilhão para US$ 15,9 bilhões em nove anos, segundo estudo da Brookings Institution. Entretanto, se a China passou a ser o principal sócio comercial do Brasil, este nem mesmo figura entre os dez primeiros do gigante asiático. “Os países Brics ainda não mostraram uma agenda coletiva, e, enquanto não o fizerem, considerá-los grupo de pressão parece um pouco exagerado”, afirmou Menon. Envolverde/IPS
* Este é o primeiro de dois artigos sobre o grupo Brics e como suas agendas políticas e de desenvolvimento podem incidir no futuro da assistência ao mundo pobre.