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Os Brics colocarão a mão no bolso? – parte 2

Washington, Estados Unidos, 18/11/2011 – Muitos especialistas esperam que as economias emergentes façam uma grande aposta no desenvolvimento internacional durante o 4º Fórum de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda. Contudo, alguns duvidam que essas nações tenham as credenciais necessárias. O fórum acontecerá em Busan, na Coreia do Sul, entre 29 deste mês e 1º de dezembro, e com presença de cerca de dois mil delegados governamentais e especialistas.

Em todo o mundo, erguem-se vozes para que as economias emergentes, como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (que formam o grupo chamado Brics), assumam o desenvolvimento global. Entretanto, analistas apresentam dúvidas sobre suas capacidades. Apontam, como exemplo, que, enquanto os países do Brics prometeram US$ 26 bilhões em empréstimos a nações de baixa renda na última década, os doadores tradicionais da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) comprometeram US$ 269 bilhões no mesmo período.

Além disso, muitos observadores temem que as crescentes sociedades Sul-Sul sejam simplesmente uma réplica um tanto distorcida das antigas relações de exploração entre países industrializados e o mundo em desenvolvimento. Grupos como o Brics “não mudam muito os padrões de comércio e investimentos, sendo que mais os refletem. Vemos o surgimento de corporações multilaterais do Sul, que afirmam as tendências universais do capital, mais do que produzir uma grande mudança em sua direção”, afirmou a economista Jayati Ghosh, especializada em desenvolvimento internacional.

“Por outro lado, também é verdade que, enquanto o capital é cada vez mais móvel e transnacional em sua orientação, ainda depende grandemente do apoio estatal. E, portanto, os Estados, incluindo os do Sul, continuam fazendo esforços em nome do capital que se origina em seus próprios países”, disse Ghosh à IPS. “Ironicamente, apesar de sua interdependência, os Estados estão cada vez mais submetidos ao capital, e não o contrário”, acrescentou.

Isto desperta sérias dúvidas sobre a capacidade e o verdadeiro interesse dos países do Brics de transformar significativamente a assistência ao desenvolvimento ou o comércio em formas que beneficiem o Sul global.

Um novo documento de trabalho apresentado por Nkunde Mwase, economista do Departamento de Estratégia, Política e Revisão, do Fundo Monetário Internacional (FMI), que examina o crescente fluxo de financiamento do Brics para os países de baixa renda, concluiu que o grupo não está fomentando a boa governança nem o fortalecimento institucional com seus empréstimos. “Os países de baixa renda sem acesso ao mar e com escassos recursos naturais receberam significativamente menos financiamento do que outros, ricos em recursos”, afirma o estudo.

A maioria dos empréstimos para o desenvolvimento nos últimos foi impulsionada pela China, disse Mwase à IPS. “Não encontramos nenhuma evidência sugerindo que os países de baixa renda com boa governança foram recompensados com mais financiamento”, afirmou Mwase. “Os crescentes laços entre o Brics e as nações de baixa renda aumentam os riscos e revelam a necessidade de garantir que o financiamento não prejudique os esforços para melhorar a governança” nos países beneficiários, ressaltou.

“Estes empréstimos podem levar os países a armadilhas de dívidas se os riscos não são plenamente considerados”, alertou Mwase. “As nações de baixa renda precisam garantir que o financiamento seja destinado a projetos com altos retornos e que não os levem a caminhos de dívidas insustentáveis”, acrescentou.

A esta tendência soma-se uma acentuada falta de transparência nas transações, seja de ajuda humanitária, assistência ao desenvolvimento, empréstimos ou mesmo contratos corporativos, entre o Brics e os países mais pobres. “Nações como China e Índia ainda não publicam nenhuma informação específica sobre os empréstimos a cada país”, afirma um documento do Centro para Estudos Chineses, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.

“Isto dificulta para os parlamentares e atores da sociedade civil de países sócios a avaliação do impacto que tem o dinheiro em seu desenvolvimento. É necessária maior transparência, se queremos uma avaliação geral sobre os efeitos dos pacotes de desenvolvimento” do Brics, acrescenta o documento. Susan Thomson, bolsista de pós-doutorado em política contemporânea no Colégio Hampshire, integra o grupo de analistas preocupados com os impactos negativos da ajuda ao desenvolvimento proporcionada pelo Brics.

“Como doador, o Brics apresenta a dúvida sobre quais condições deveriam impor aos países beneficiários, se é que alguma é exigida”, disse Thomson à IPS. “Estados Unidos, Canadá e União Europeia tradicionalmente estabelecem em seus pacotes de ajuda requisitos relacionados com direitos humanos e segurança humana, mas é improvável que o Bric faça o mesmo”, acrescentou.

“A China apresenta um especialmente pernicioso exemplo de ajuda direta, particularmente à África, sem nenhum requisito, e por isto vemos abusos sistemáticos dos direitos humanos em todo o continente”, denunciou a bolsista. Além disso, citou o exemplo de Zâmbia, onde projetos chineses de desenvolvimento deixam os trabalhadores locais sem dias de descanso e nos quais se mostra escasso respeito pelos direitos trabalhistas, humanos e sociais.

“O fato de governos africanos buscarem ativamente canais adicionais de ajuda levará a uma crescente brecha econômica, na qual os ganhadores serão os países Brics e os perdedores serão os agricultores de subsistência, as mulheres, pessoas com HIV/aids e todos os tradicionais afetados por este sistema”, alertou Thomson.

Um estudo elaborado este ano pela organização não governamental Grain e pela Fundação de Pesquisa Econômica revela que cada vez mais corporações indianas compravam vastas áreas de terras na África, fundamentalmente para exteriorizar (outsource) sua produção alimentar em países de baixa renda de todo esse continente. Em 2010, “mais de 80 empresas indianas investiram cerca de US$ 2,4 bilhões em compra ou arrendamento de grandes plantações em países como Etiópia, Quênia, Madagascar, Senegal e Moçambique, que serão usadas para produzir alimentos e outros cultivos comerciais destinados ao mercado indiano”.

Esta prática, que muitos no movimento pela justiça agrícola e alimentar qualificam de “monopolizar terras”, tem sido até agora acusada de ferramenta neocolonial do Ocidente para exercer um controle corporativo sobre o Sul. Portanto, esta aventura indiana denota as limitações da cooperação Sul-Sul como solução para a desigualdade sistemática e a exploração de muitos países.

Segundo Ghosh, “as sociedades Sul-Sul têm potencial para mudar a atual ordem econômica global, exploradora e ineficiente, mas somente se tiverem por base premissas muito diferentes de cooperação”. As relações Sul-Sul “também são impulsionadas pelas necessidades corporativas, e operam de forma muito semelhante dentro de um sistema guiado pelo mercado que privilegia os interesses de grandes empresas acima dos interesses dos cidadãos”, acrescentou.

“O surpreendente é que neste momento de crise global não existam tentativas sérias de nenhum dos grupos econômicos globais (incluindo o Brics) de considerar alternativas que levem a soluções sustentáveis”, afirmou Ghosh. “Por exemplo, passar do crescimento guiado pelos créditos e pelas exportações para formas mais sustentáveis de expansão, baseadas no aumento dos salários e do emprego, é uma ideia que simplesmente não é levada a sério”, acrescentou.

“O mais significativo de tudo é que a necessidade de identificar formas alternativas de produção e consumo, com um enfoque mais sustentável e menos daninho à natureza, ainda não está no topo das agendas políticas nacionais ou internacionais”, destacou Ghosh. Envolverde/IPS

* Este é o segundo de dois artigos sobre o grupo Brics e como suas agendas políticas e de desenvolvimento podem incidir no futuro da assistência ao mundo pobre.