Que será do mundo com o avanço exponencial da informática e da robótica tomando de assalto todas as áreas, da comunicação à política, em todos os países, da economia e das finanças à guerra entre nações? Como será esse mundo em que a imensa maioria das pessoas estará conectada, por computadores ou telefones, às redes de comunicação, com notícias em tempo real, possibilidade de interferir na política de seu país? Que mundo será esse amanhã, quando hoje, segundo o secretário-geral adjunto da ONU, Jan Eliasson, já existem 6 bilhões de telefones celulares, enquanto apenas 4,5 bilhões dos 7 bilhões de habitantes do planeta dispõem de instalações sanitárias em suas casas?
Há poucos dias, entraram em vigor no Brasil as primeiras leis que tratam de “crimes cibernéticos”, contra condutas ilícitas mediante uso de sistemas eletrônicos, digitalizados ou similares, assim como invasão de computadores, roubo de senhas e/ou arquivos conectados ou não a redes de computadores. As penas são até brandas – vão de seis meses a dois anos -, quando se lê todos os dias que essas condutas ilícitas já estão até no campo da guerra. A robótica militar, como é chamada, já tem sob controle milhares de aviões não tripulados de dezenas de países (Estado, 15/3) – os chamados drones, capazes, em futuro próximo, até de decidir com autonomia onde e como atacar (21/3). Funcionários da inteligência do governo norte-americano admitem mesmo que o país “está se preparando para uma contraofensiva cibernética”. O chamado cibercomando das Forças Armadas dos EUA tem 13 equipes de programadores e especialistas em computação – por entenderem que está nesse campo a “maior ameaça imediata aos EUA” (14/3), pois seus serviços de espionagem já detectaram invasões da rede de computadores do governo. O presidente Barack Obama chegou a acusar a China de patrocinar recentes ciberataques a empresas e bancos dos EUA. E a Coreia do Norte acusou os EUA de “sabotar” seus serviços de internet (Reuters, 18/3).
Fora do campo político-militar, as questões não são menos graves ou complexas. No Brasil, por exemplo, 28 milhões de pessoas foram vítimas no ano passado de algum tipo de crime pela internet (revista Problemas Brasileiros, março/abril). A cada segundo, 18 pessoas são vítimas no mundo, 1,5 milhão a cada dia – e isso inclui estelionatos, fraudes financeiras, difamações, calúnias, apropriação de dados pessoais, etc. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), só no ano passado as perdas bancárias no País atingiram R$ 1,4 bilhão.
O volume de informações que circula na internet é brutal, estimado pela IBM em 2,5 quintilhões de bytes de dados por dia, o equivalente a 450 bibliotecas do Congresso norte-americano a cada 24 horas, segundo Hélio Schwartsman (Folha de S.Paulo, 10/3). No Brasil já são 53,5 milhões de usuários da internet. Em cada um dos pontos, a média diária de uso é de quase dez horas e meia. Em cinco favelas do Rio de Janeiro, outro levantamento indicou que mais de 80% dos habitantes têm acesso a esse meio de informação.
Tudo isso quererá dizer que há mais possibilidade de participação na vida política e nas decisões? Não necessariamente. Pode depender da qualidade da informação e até da repressão. “Não estamos vivendo o mundo de 1984 de Orwell, mas também não estamos vivendo no mundo de harmonia e consenso cientificamente sancionado”, diz James Rule em The New York Times, citado neste jornal (24/3). Significará mais segurança? Pouco provável, pois até as gigantes do setor já recorrem a “arquivos nas nuvens”, desligados dos computadores físicos, para se livrarem de ataques.
Há pequenos avanços, até por aqui: 2 milhões de eleitores assinaram a petição que deu origem à Lei da Ficha Limpa; 1,6 milhão assinaram documento contra a ascensão de Renan Calheiros à presidência do Senado; algumas centenas de milhares apuseram sua assinatura contra a escolha do deputado Marco Feliciano (11/3) para presidir Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Mesmo quando adesões são maciças, entretanto, os resultados são incertos: basta ver que várias das revoluções no mundo árabe que levaram à deposição de antigas ditaduras – como no Egito ou na Líbia – passado algum tempo se mostram quase inócuas, com os mesmos problemas presentes nas administrações a que sucederam. E assim pode ser também em outras nações, onde os movimentos políticos são incipientes ou desorganizados, apesar da forte participação na internet. Alguns governos, porém, como o da Arábia Saudita, estão contratando organizações para controlar serviços como o Skype e mensagens escritas na internet. Parece claro, entretanto, que há uma revolução em processo na informação e que os “Estados coexistem em um mundo onde autoridades não têm mais o mesmo poder de controle que tinham no passado”, como diz Joseph Nye, do Project Syndicate (15/2).
Quando há guerras iminentes ou possíveis os problemas se agravam. A Coreia do Sul, por exemplo, está acusando sua vizinha do Norte de haver paralisado seus sistemas de informática, emissoras de TV e dois dos maiores bancos de dados (12/3). E com guerra ou sem guerra, as empresas transnacionais da comunicação vivem “profunda crise”, como observou há poucas semanas Ignacio Ramonet, ex-comandante da redação de Le Monde.
São rumos incertos, preocupantes – até mesmo porque ninguém consegue prognosticar os próximos estágios. Porém pode ser complicada a trajetória que não avaliamos no todo quando optamos por um mundo de tecnologias sem fronteiras e sem limites. Não se trata de ser “contra o progresso”. Nem de manter a informação controlada apenas por uma “elite”. Mas vem a tentação de citar o pensamento do filósofo, físico e matemático René Descartes, citado por Jorge Luis Borges (O Livro dos Seres Imaginários, 2007): “Os macacos poderiam falar, se quisessem; mas resolveram guardar silêncio para não serem obrigados a trabalhar”.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.