O relator da proposta de alteração do Código Florestal da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, afirma que procurou a comunidade científica, mas os dirigentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmam que não foram convidados a opinar de forma qualificada pelos deputados.
As instituições científicas decidiram, então, formular um pronunciamento próprio a respeito das principais questões envolvidas no debate sobre a reforma do Código Florestal. Um grupo de trabalho de uns quinze pesquisadores de diversas áreas processou e resumiu centenas de trabalhos científicos realizados sobre esses temas nos últimos anos. O resultado foi publicado em livro e apresentado aos principais tomadores de decisão.
O trabalho dos cientistas é conclusivo em relação a pontos essenciais do debate. Por exemplo, ao afirmar categoricamente que o país já dispõe de tecnologia e de capital técnico para aumentar a nossa produção agropecuária e florestal de forma consistente e prolongada, sem a necessidade de avançar sobre áreas florestadas. Outro exemplo: já há tecnologia de mapeamento e controle remoto, via satélite, para se aferir a desigual presença de áreas úmidas ou com lençol freático próximo da superfície, em cada bacia hidrográfica, o que poderia ensejar um parâmetro diverso das faixas de proteção de florestas ripárias, com extensão fixa de 30 metros ou mais, que hoje são consagradas na letra da lei.
Em outros aspectos relevantes, como o do conhecimento aplicado à valorização da biodiversidade ou aos fluxos de captação e de emissão de carbono pelas florestas, o documento dos cientistas aponta grandes avanços em curso e a perspectiva de que dentro de pouco tempo disporemos também de tecnologia que permita computar objetivamente vários dos serviços ambientais promovidos pelas florestas e outras coberturas vegetais naturais. Por isso, os cientistas propuseram que os deputados cuidassem agora dos aspectos administrativos da questão florestal, como multas, expedição de licenças e cadastramento de propriedades, deixando para os próximos dois anos as decisões mais atinentes ao patrimônio florestal em si.
A pesquisa nacional de opinião pública realizada pelo Datafolha sobre o Código Florestal perguntou aos entrevistados: “Você acha que o Senado deve parar para ouvir os cientistas antes de votar o novo Código Florestal, ou você acha que o Senado deve votá-lo imediatamente, pois é mais urgente resolver o problema das multas” por desmatamento ilegal? Resposta: 77% dos brasileiros são pela audiência aos cientistas, 20% são pela urgência na aprovação e apenas 2% não sabem responder.
A pesquisa não faz referências específicas ao conteúdo do documento dos cientistas e nem se pode supor que os entrevistados o tenham lido. Mas outras perguntas e respostas, estas sempre contundentes na defesa das florestas, indicam que várias das preocupações da opinião pública estão consideradas no documento e nas suas conclusões.
O que há de comum nas alegações truncadas entre o deputado relator e os cientistas é que, de uma forma ou de outra, nunca os cientistas ficaram tão à margem de uma decisão sobre a legislação florestal. Justamente quando as instituições científicas brasileiras acumulam maior conhecimento. É uma evidência preocupante que, por si só, já enseja uma revisão profunda daquilo que a Câmara aprovou com ausência de informação científica.
De qualquer forma, não é nada neutra a posição dos brasileiros diante da posição dos cientistas, conforme aferiu a pesquisa. Três em cada quatro acham que a aflição dos ruralistas não pode se sobrepor ao conhecimento dos cientistas. Assim como não foi neutra a posição dos cientistas ao apresentarem razões de interesse público para a proteção das florestas situadas em propriedades rurais.
Fato é que o Senado está na posição de sacramentar a ignorância ou fazer a revisão da proposta aprovada na Câmara. Repõe o tratamento legal às florestas num patamar compatível com a sua crescente importância como ativo nacional, ou joga o abacaxi no colo da Dilma para fins de veto presidencial.
* Márcio Santilli é coordenador do ISA.
** Publicado originalmente no site do ISA – Instituto Socioambiental.