Por Washington Novaes –
Anuncia a Prefeitura de São Paulo que vai construir ou renovar mil quilômetros de calçadas “numa primeira etapa” (Mobilize, 27/4), de modo a remover “pontos críticos para pedestres”. Só este ano já informara (Estado, 28/12/14) que aplicaria R$ 50 milhões no “reparo de parte dos passeios em 32 subprefeituras”.
É espantoso e leva o autor destas linhas à sua infância numa pequena cidade (5 mil habitantes então) do interior paulista, quando todas as calçadas urbanas tinham não mais de 50 quilômetros e atendiam muito bem a toda a população. Mil quilômetros equivalem a mais que a distância de ida e volta São Paulo-Rio por estrada. E serão ainda pouco para as necessidades da capital paulista, onde o poder público está também no meio de uma controvérsia sobre privatizar e fechar ou não ruas sem saída em bairros mais “nobres”, onde os proprietários passariam a encarregar-se das estruturas para pedestres.
Dramas para pedestres não faltam nas metrópoles. No Brasil, segundo o IBGE, as grandes concentrações urbanas detêm 41,3% da população total, ou 79 milhões de pessoas. A Região Metropolitana de São Paulo, com 19,6 milhões em 35 municípios, chega a 27,4 milhões (cidade-região) se acrescidas Campinas, Baixada Santista, São José dos Campos e Sorocaba (26/3). Como resolver tantas questões interligadas, a começar pelo transporte, dada a interconexão, com o deslocamento de milhões de pessoas de algumas cidades para outras em função do trabalho? E que se pensa da antiga convivência das pessoas exatamente nas calçadas, inviabilizada pela violência e pela verticalização?
São muitos ângulos. O poder público e a Defesa Civil se veem às voltas, todos os dias, com os complicados problemas para transeuntes motivados pelas quedas da fiação aérea, que tem uma rede de 17 mil quilômetros na cidade de São Paulo (22/3), com apenas 7% dos fios enterrados. Os bombeiros atendem a emergências todos os dias. 20 mil endereços ficam sem luz, embora a Eletropaulo receba R$ 100 milhões pelo aluguel de espaços em postes para publicidade (Estado, 22/3). Mas quer que a Prefeitura arque com o custo de 70% das obras – R$ 10 milhões por quilômetro, ou R$ 2,5 bilhão por ano, como exige o decreto municipal (4.7817/2006) que criou programa de enterramento obrigatório de pelo menos 250 quilômetros anuais de fios das redes aéreas. Mas em seis anos foi enterrado apenas o equivalente ao exigido para um ano. Nesse passo serão necessárias muitas dezenas de anos para cumprir a exigência. E há uma polêmica entre poderes para saber a quem cabe o encargo (Estado, 28/12/14).
Não é tudo. Há uma nova discussão acirrada pela decisão da Prefeitura paulistana de iniciar o plantio de árvores onde tem sido o canteiro de divisão de pistas para veículos em direções opostas. O argumento para esse plantio tem sido o de “não afetar a fiação sobre as calçadas” e o trânsito de pedestres – além de dizer que em São Paulo já há 1 milhão de árvores em vias públicas e 900 mil serão plantadas em passeios e canteiros centrais (12/3).
Navegando em outra direção, está em curso campanha que pede sinalização em vias públicas para pedestres, ciclistas e usuários de coletivos, argumentando que 90% da sinalização é apenas para veículos (Mobilize, 27/4). Não há sinalização nos pontos de ônibus nem indicações de horários de passagem de cada linha. Argumento forte: 70% dos deslocamentos são feitos por pedestres, usuários de bicicletas ou do transporte público (e não apenas por motoristas e passageiros de automóveis).
E há mais. Como a queixa de que o prefeito de São Paulo vetou, no plano diretor, o mapeamento de ruídos – que são um dos maiores motivos de reclamações de cidadãos, nas pesquisas. O argumento do veto é o de que o mapeamento poderia dificultar a aplicação da lei sobre uso e ocupação do solo (geodireito, 11/8/14). E nesse ponto colide com a Organização Mundial de Saúde, segundo a qual as emissões de ruídos são um dos três maiores problemas nas cidades (depois da poluição da água e do ar); 10% da população mundial tem deficiências auditivas, que podem agravar outros problemas.
E com a poluição visual, que se fará – agora que foram liberadas as fachadas públicas para grafites coloridos? E com a violência, inimiga da convivência em ambientes abertos?
No primeiro trimestre deste ano, os homicídios na cidade de São Paulo foram 292 – ou três por dia; nas outras cidades da Grande São Paulo, 235 (ante 295 no primeiro trimestre de 2014). Nossas taxas andam em 9,75 mortes por 100 mil pessoas – o que permitiria enquadrá-las nos índices de “epidemia de violência” da ONU. Da mesma forma, subiram 130,1% os casos de drogas na capital (Estado, 25/4).
Não estranha, assim, que 57,1% dos moradores da região metropolitana digam que gostariam de mudar-se, segundo pesquisa da Federação do Comércio do Estado (26/1). Para onde? Como deslocar quase 12 milhões de pessoas? Para trabalharem onde? Renunciando à convivência com amigos, parentes, escolas dos filhos, etc.? 89% deles responderam que se sentem “inseguros” na cidade.
A questão crucial está em saber por onde se pretende enfrentar tantos problemas interconectados. Não será possível se não houver um macroplano diretor que englobe os municípios e essas interconexões. Mas a legislação – que cria problemas com a geografia -, assim como interesses políticos mais miúdos dificultam que se chegue aí. Ao mesmo tempo, é preciso ter soluções localizadas para cada problema – no transporte, na segurança, na saúde, na educação, etc. O Estatuto das Metrópoles, lei federal sancionada em janeiro último, obriga a ter diretrizes para planejamento, gestão e execução de funções públicas de interesse comum na região metropolitana. Seria, em princípio, obrigatório para ter apoio da União.
Chegará à prática? Ou nem das calçadas passaremos? (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 53 anos.