Arquivo

Os filhos abandonados do petróleo

Kobina (direita), de dez anos, e Comfort Essuman (esquerda), de 12, vendem comida na praia de Sekondi. Foto: Sam Mark Essien/IPS

Sekondi-Takoradi, Gana, 27/9/2011 – As pernas de Kobina estão cheias de cicatrizes, conseguidas caminhando pelas praias de Sekondi, sudoeste de Gana, e subindo em canoas para poder vender um pouco de água ou laranja aos pescadores que trabalham na costa. É apenas uma criança: tem dez anos, e precisa ganha a vida desse jeito. Comfort Essuman lhe faz companhia, vendendo copos de aveia e pão doce frito. Dois anos mais velho do que Kobina, ela é menos tímida. Enquanto o garoto não se anima a dar seu sobrenome, Comfort, o faz sem pestanejar.

“Minha mãe disse que preciso continuar vendendo e que depois irei para a escola”, contou a menina, acrescentando que abandonou a escola na terceira série. “Não ganho menos do que dois cedis ganeses (pouco mais de um dólar) por dia, e mando tudo para minha mãe”. Comfort vive com sua tia, enquanto sua mãe se encontra na Região Central, uma das dez divisões deste país da África ocidental.

Meninos e meninas como Kobina e Comfort estão por toda parte em Sekondi-Takoradi, capital da Região Oeste. São filhos feridos e mal alimentados da era do petróleo, que os habitantes asseguram estar trazendo benefícios para a população. Sekondi e Takoradi são, na realidade, duas cidades gêmeas que formam uma única capital da Região, com população total de 335 mil habitantes. A Região começou a produzir petróleo no ano passado, a partir do poço de Jubilee, diante da costa.

O Ministério da Energia prevê que produzirá 250 mil barris de 159 litros por dia até o final deste ano. Espera-se que outros poços encontrados próximo estejam funcionando até 2014. As autoridades locais agora exigem do governo 10% dos esperados US$ 1 bilhão em lucro anual com o petróleo. Para a infraestrutura inicial, o governo federal aprovou empréstimo de US$ 3 bilhões por intermédio do parlamento, destinando US$ 1,8 bilhão para o desenvolvimento da Região Oeste.

Atraídos pelas notícias, muitos cidadãos de Gana chegam a essa área esperando se beneficiar do anunciado aumento de empregos graças à produção de petróleo. Contudo, enquanto isso, disparam os custos dos aluguéis e dos alimentos, cresce o tráfego de veículos e os problemas sociais se multiplicam. A maioria das vítimas disso tudo é de meninos e meninas, disse Deborah Daisy Kwabia, diretora para a cidade do Departamento Regional de Bem-Estar Social. “Muita gente chega a Sekondi-Takoradi em busca de verdes pastagens, mas estas não existem”, lamentou.

Estas mudanças dispararam o trabalho infantil, que afeta meninos e meninas de maneira diferente. Os meninos são treinados para vender drogas ou roubar nos estabelecimentos do abarrotado mercado de Takoradi. As meninas são obrigadas a cozinhar e lavar pratos em restaurantes ou trabalhar como doméstica em alguma casa. Muitas também caem na prostituição. “Por culpa do petróleo se voltaram à prostituição”, disse Comfort Osei Gerning, mãe adotiva na Fundação Misericórdia, grupo local de ajuda à infância. Também há meninos que se prostituem, acrescentou.

Em volta do Hotel Zenith se desenvolve a vida noturna de Takoradi. É um prédio vermelho e iluminado situado ao lado de um ponto de táxi, e em cujas esquinas ambulantes vendem comida até tarde. Dentro do hotel, homens bebem álcool, enquanto prostitutas oferecem seus serviços. “As que têm entre 12 e 15 anos formam um grupo diferente”, disse Gerning. “Cobram barato por serem menores”.

Também há meninas se prostituindo no bar Harbor View e em diversas praias de Takoradi e Sekondi. “Para chegar a elas é preciso passar por vários adultos”, disse Gerning. “Estes cobram e mostram o lugar. É um negócio”, acrescentou. Tudo isto viola a Lei de Infância, de 1998, que condena a exploração de menores. A lei também ordena ao governamental Comitê de Serviços Sociais que respeite as normas trabalhistas. Os menores de 18 anos não podem fazer trabalhos perigosos, como sair para o mar. Não se permite que menores de 15 anos realizem tarefas manuais, e o trabalho leve não é permitido para menores de 13 anos. O Comitê pode realizar investigações e recomendar ações policiais.

John Davis, representante da área eleitoral metropolitana de Anajy Oeste, foi chefe do Comitê por três meses. Está consciente de que existem prostituição e trabalho infantil, reconhece que não foram feitas investigações em sua administração e ignora se aconteceram antes. Ele não conta com dados estatísticos, embora diga que cobrou dos membros do Comitê, há um mês, informações sobre seus respectivos distritos. Entretanto, “não temos recursos para fazê-lo. Não temos carros nem nada”, afirmou. Assim, o Comitê prefere se concentrar em uma “campanha de educação” pelo rádio e outros meios.

A falta de recursos caracteriza grande parte dos esforços do governo para fazer cumprir a Lei da Infância. Kuaku Agyemang Duah, chefe de programas de atenção comunitária no Departamento Regional de Bem-Estar Social, disse que em seu escritório tem 30 funcionários e precisa, no mínimo, de 80 para funcionar adequadamente. Também necessita de abrigo para menores sem lar. O mais próximo fica a quatro horas, em Acra, capital do país. E, mesmo se contasse com abrigo, precisaria de mais dinheiro para alimentar as crianças. “Todos os anos apresentamos um orçamento, mas o que recebemos é outra história”, afirmou. Envolverde/IPS