Os micróbios estão ganhando a guerra?

Em 2003, escrevi um artigo intitulado “Será que os micróbios vencerão a guerra?”. Naquela ocasião, levantei a preocupação quanto ao aumento da resistência das bactérias promotoras de infecções. Essa situação se deve ao abuso no emprego de antibióticos frente a qualquer tipo de situação que promovesse febre ou se mostrasse como uma infecção.

Precisamos saber que as viroses, tão comuns no nosso meio, provocam situações que estimulam o organismo a se defender e, consequentemente, após alguns dias, criamos ferramentas capazes de destruir os vírus que nos molestam. Esses vírus não são capazes de sucumbir pela ação de antibióticos, mas, mesmo na dúvida de ser virose ou infecção causada por bactérias, os próprios médicos costumam prescrever antibióticos para se garantirem quanto ao sucesso do tratamento.

Quando o primeiro antibiótico – a penicilina – foi produzido por Alexander Fleming, nos anos 40 do século passado, pequenas doses eram eficazes contra bactérias, pois não havia potentes medicamentos contra elas até então.

A partir do sucesso comprovado contra infecções bacterianas, qualquer tipo de febre, mesmo causada por vírus, era tratada com a penicilina que, pouco a pouco, foi perdendo sua eficácia já que as bactérias sofriam certas mutações e adquiriram resistência a esse antibiótico. Desta forma, os laboratórios passaram a produzir vários outros tipos de antibióticos para combater as bactérias e a resistência aos mesmos sempre ocorre, pois os organismos desses micróbios se especializam na defesa contra as armas que foram criadas para aniquilá-los.

Esse processo se repetiu ao longo dos anos até que agora temos a notícia do surgimento de “superbactérias” que matam, e não existem antibióticos conhecidos contra elas. Essas bactérias nada mais são do que as que existiam nos tempos do lançamento da penicilina que, estimuladas pelos medicamentos que as combatiam, foram se protegendo e criando mecanismos de resistência a essas substâncias. Foi assim que a resistência bacteriana se instalou.

No dia 26 de outubro de 2010, a Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) tomou uma medida (RDC no. 44), que se intitula Controle de Antibióticos, que obriga médicos a receitarem os antibióticos em receitas mais controladas e também, a partir de então, as farmácias somente poderão vender esses produtos com as respectivas receitas que serão fiscalizadas pelo órgão regulador.

Ora, esperaram que “os ladrões invadissem a casa para colocarem tranca nas portas” de novo! Sempre se espera acontecer o mal para que providências sejam tomadas. Sempre foi permitido que a população comprasse antibióticos nas farmácias como se compra banana nas feiras e agora, quando se prenunciam tragédias, os antibióticos serão controlados na venda, medida que sempre deveria ser adotada.

Nós, médicos, somos os grandes culpados por isso ocorrer, pois somos os maiores incentivadores, ao longo do tempo, do emprego indiscriminado de medicamentos desse tipo, sempre que queremos tratar algum quadro infeccioso e não sabemos se é causado por vírus ou bactéria. As escolas de Medicina nos ensinaram a reconhecer e tratar doenças. Nos casos de infecções, nem sempre causadas por bactérias, costumamos “atropelar” e fazer uso dessas substancias. Hoje, elas são perigosas armas que propiciam o aparecimento de micro-organismos capazes de se tornar verdadeiros monstros assassinos. Em outros tempos, não tão longínquos, esses micro-organismos eram combatidos de forma mais tranquila.

O alerta já foi dado há anos e nunca foi tomada uma única medida para se evitar o que ocorre hoje. O aparecimento de bactérias resistentes obrigará à realização de estudos cada vez mais caros e à produção de novas substâncias, também muito onerosas para o combate de infecções bacterianas que, se a ciência se preocupasse com a melhoria da saúde geral, nem deveriam existir nos nossos tempos.

Mais uma desgraça provocada pelo Homem.

* Sergio Vaisman é médico especialista em Cardiologia e Nutrologia, formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atua em São Paulo na área de Medicina Preventiva, é professor de pós-graduação em Bioquímica Aplicada à Medicina, pela Universidade Fernando Pessoa, em Portugal, e professor visitante da Universidade de Estudos de Siena, na Itália. Possui inúmeros trabalhos científicos e livros publicados. Também ministra palestras nas áreas de medicina preventiva e medicina ambiental. É comentarista e consultor de Saúde na TV Climatempo, produtor e apresentador do programa Saúde no Mundo Tóxico e edita o site www.sergiovaisman.med.br.

** Publicado originalmnete no blog de Sérgio Vaisman no site Mercado Ético.