Como um estandarte, o professor Claudio Moura Castro tem iniciado suas palestras sobre a contribuição familiar à educação com a imagem de uma senhora coreana de cabelos grisalhos diante de uma janela. Ele explica que a mulher está do lado de fora da escola espiando o que se passa dentro da sala de aula porque quer verificar se os netos estão concentrados e prestando atenção ao professor ou, em seu linguajar mineiro, “olhando para a mosca”.
Esta é uma obsessão das vovós daquele país que revela, talvez de forma exagerada para os nossos parâmetros e a nossa cultura, a crença de que a educação é o alicerce para o sucesso das crianças. “Fala-se do milagre coreano, mas pouco do esforço das famílias”, escreveu Castro em artigo sobre a atitude das avós asiáticas. Já o comportamento dos pais brasileiros – eles têm em média sete anos a menos de estudo do que os filhos –, em sua avaliação, é lastimável em todas as classes sociais. A ausência no acompanhamento do dever de casa, a postura passiva em relação à escola e a falta de diálogo dentro do lar ajudam a explicar o desempenho reprovável da educação.
Por considerar a importância da família, Castro, formado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado pela Universidade de Yale e doutorado pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, vem “pregando” esse discurso em suas conferências e converteu, num manual de instruções, procedimentos adequados para os pais. Do PhD ao sem instrução, todos podem fazer a lição de casa. Alguns são deveres prosaicos, estratégias de simples execução, a custo zero, e que se baseiam em algo primordial da relação familiar: a predisposição permanente dos pais para desejar e querer o bem dos filhos.
Nesta entrevista, Claudio Moura Castro comenta o grande salto educacional das cidades de médio porte e reitera a atitude e o envolvimento contínuo da família como uma célula central que permeia todo o processo de aprendizagem dos filhos. Ele afirma que a educação brasileira precisa mesmo é de uma revolução e, sobre a dificuldade dos pais em conseguir tempo para acompanhar a vida escolar dos filhos, é incisivo e contundente: “sempre há tempo para o que é importante”.
Gestão Educacional: O desenvolvimento da educação rende uma discussão muito ampla e, em suas palestras, o senhor reitera a importância da parceria dos pais nesse objetivo, vem advogando o papel da família…
Claudio de Moura Castro: É um lado da equação. É como uma tesoura: uma perna só não corta. A família e a escola têm que trabalhar em comum acordo, cada uma fazendo o seu serviço. É que na família (a contribuição) tem custo zero. No caso do professor, é preciso reunir condições para mantê-lo motivado: bom salário, prêmios. Para melhorar a escola, é necessário contratar mais e melhores professores, ter mais material, ou seja, mais esforço, mais insistência. Tudo é morro acima. Na família, você não precisa dizer ao pai: “queira bem ao seu filho, ajude-o a ter uma vida melhor”. Os pais estão permanentemente motivados a querer o melhor para o seu filho. Se dermos a eles instrumentos para fazer o certo, o resultado sai de graça, (é uma ação que) não custa recursos à sociedade. Se os pais entenderem, acreditarem e praticarem, teremos uma melhoria na educação.
Gestão Educacional: Sobre esse conjunto de práticas, é como se os pais tivessem que voltar para a escola…
Castro: Na Coreia e no Japão, a mãe está voltando para a escola. Os imigrantes japoneses que vieram para o Brasil eram analfabetos. Não tinham nem escola para ir. De qualquer forma, (para contribuir com o desenvolvimento escolar do filho), se um pai tem PhD em educação, ajuda. Mas, se ele é analfabeto e fica enchendo o saco do menino para estudar, também ajuda.
Gestão Educacional: Como o pai sem formação pode apoiar?
Castro: Os fatores mais determinantes são falar com a criança e vigiar o dever de casa. Fiz uma pesquisa com escolas brasileiras associadas de rede (de classe média, classe média baixa e alta) e descobri que (essas ações) homogeinizam o aluno e, dentro desse panorama, os filhos cujos pais vigiam o dever de casa são os que melhor se saem na escola.
Gestão Educacional: O senhor acredita que há diferenças em como pais pobres e ricos veem a escola?
Castro: Com certeza. O pobre é intimidado pela escola, não sabe cobrar, não sabe ajudar, não percebe a diferença de qualidade da educação. Já os ricos sabem o que fazer, podem estimular de todas as maneiras possíveis o desempenho escolar. Isto, claro, varia a cada cultura. Por exemplo, os judeus de classe média alta dos Estados Unidos exercem uma pressão brutal sobre as crianças para que rendam. Por outro lado, os pais de classe baixa dos Estados Unidos, formada por latinos e hispânicos, não se preocupam. O resultado é que a diferença de rendimento é absurda.
Gestão Educacional: E a classe média? O senhor afirma que ela não dá exemplos de interesse e de participação.
Castro: Claro que muito mais do que a classe baixa. Mas, comparativamente aos padrões internacionais, é muito ausente.
Gestão Eduacional: De acordo com a pesquisa “A participação dos pais na educação de seus filhos”, realizada pelo Ibope em 2005, 40% dos pais dizem não ter tempo para acompanhar a vida escolar dos filhos. Parece indicar indiferença ou uma dificuldade real?
Castro: Começa com a mesma percepção equivocada de que não há um problema sério de qualidade na educação da classe média. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostra que a classe alta brasileira obtém resultados piores do que os filhos de operários da Europa. Dizer que não tem tempo é o mesmo que dizer que não considera importante. Para o importante, sempre há tempo.
Gestão Educacional: Falando sobre a outra ponta da tesoura, a escola, como ela pode contribuir para a melhoria do desempenho dos alunos?
Castro: A escola tem um currículo, mas deveria fazer o que se chama de redução sociológica. Olhar aquele mundão de coisas e pensar: “o que é importante?”. Na prática, ensinar a ler, a escrever, a falar, a ouvir e a resolver problemas que envolvem números. Não interessam os teoremas disso e daquilo. O importante são os fundamentos da educação, e não se iludir com as lantejoulas. É aprender a manejar a sua língua, porque isto significa ter a ferramenta para poder aprender pelo resto da vida. A consequência da educação é tornar o aluno mais educável. Você se torna capaz de se educar cada vez mais rápido.
Gestão Educacional: O senhor disse já ter apresentado em escolas a palestra “A vóvó na janela” para pais de alunos. Qual foi o resultado deste trabalho?
Castro: Os pais que comparecem são os motivados. Então estou pregando para os convertidos. Mas o desafio são os que não vão. Este realmente é o problema.
Gestão Educacional: Como avançar? Qual o papel da escola nessa aproximação?
Castro: Água mole em pedra dura… (risos). No fundo, não tem solução mágica. A escola tem que seduzir os pais, precisa trazê-los para perto dela, conquistá-los com atividades atraentes, então os pais serão sócios da escola para mostrar bons resultados.
Gestão Educacional: Um dos pilares da reforma do ensino de Nova York, iniciada em 2002, foi a criação de uma posição de coordenador de pais em cada uma das escolas públicas da cidade. Ele exerce a função de intermediário entre o ambiente escolar e a família. O senhor defenderia um programa com este perfil para as escolas públicas brasileiras?
Castro: É possível, sim. Não parece má ideia. Mas, como todas as iniciativas nessa direção, há muitas maneiras de se chegar ao mesmo resultado. É questão de experimentar e ver o que dá mais certo.
Gestão Educacional: Pelas suas andanças pelo Brasil, quais boas práticas tem observado nas escolas?
Castro: O que está acontecendo é a revolução das escolas nas cidades de médio e pequeno portes. Há municípios que estão conseguindo fazer uma grande mudança na educação. Dentre aquelas 33 escolas que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontou que renderam mais (na primeira edição do estudo Aprova Brasil, em 2006), uma fica em São Brás do Suaçuí (MG), entre Lafaiete e São João del Rey. Com cinco mil habitantes, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é semelhante ao da Europa. Lá não tem indústria. Não tem comércio, só um bocadinho.
Gestão Educacional: E quando nos aproximamos das escolas das grandes cidades?
Castro: Em São Paulo, de um lado tem o Bandeirantes, o São Luís; de outro, a favela, que puxa a média para baixo. O problema da favela não é de educação, é de guerra civil. Como falar em educação se as pessoas estão preocupadas em levar uma bala perdida? É o que acontece nas favelas do Rio. É uma praça de guerra e, enquanto não pacificar, a educação vai ficar em segundo plano. Não adianta consertar apenas a educação ali, é preciso transformar tudo.
Gestão Educacional: Mas qual a função da educação no enfrentamento da pobreza e da condição de vida precária? Quais experiências de transformação social por meio da educação o senhor destacaria?
Castro: Há experiências interessantes de usar a escola para puxar a comunidade toda para cima. Nova York tem experimentos interessantes nesta linha. Mas, como regra geral, diria que, para a escola, sozinha, tentar se erguer em uma região conflagrada é muito difícil e sem sentido. Se há vontade de melhorar a comunidade, por que esperar que a escola faça todo o serviço? Faz mais sentido planejar ações com múltiplos alcances, envolvendo educação, emprego, assistência social e esportes.
Gestão Educacional: O senhor afirmou em entrevistas que a educação brasileira não está em crise, que nós precisaríamos provocar essa crise. Como?
Castro: Eu não tenho uma fórmula. Sei que é falando, insistindo e apresentando dados quantitativos e qualitativos. Uma coisa é dizer que a educação vai mal. Outra é dizer que o Brasil é o último no ranking do Pisa. Ou ainda: no quarto ano, metade dos alunos não está alfabetizada no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Estes números é que têm potência de fogo para mostrar que a educação está ruim. São eles que precisam ser repetidos.
Gestão Educacional: Vi professores saindo entusiasmados da sua palestra. Tornou-se um “legado” tentar passar para os pais a importância de estarem dentro do universo da escola?
Castro: É um trabalho que tem uma rentabilidade muito grande no sentido de que custa convencer os pais, mas o processo depois que se criou o vínculo não tem custo. Só retorno. O pai não terá que gastar mais. Talvez comprar livros, revistas. É mais a atitude.
Gestão Educacional: O senhor vem repetindo o discurso da vovó na janela desde 2004, há muito tempo…
Castro: Muito tempo mesmo. Essas coisas captam o espírito. Como as caricaturas, que realçam o exagero daquelas características do indivíduo que já são exageradas. A vovó na janela! É um absurdo, é impensável aqui botar uma velha na janela para ver se o menino está prestando atenção ou se tá olhando para a mosca. São os slogans. Este pegou e é bom.
* Publicado originalmente pela Gestão Educacional e retirado do site da revista Profissão Mestre.