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Os peixes nadam no deserto

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Pescando no deserto.
Kibutz Mashabei Sadeh, Israel, 3/8/2011 – “Não foi fácil convencer as pessoas de que fazia sentido cultivar peixes no deserto”, recordou o biólogo marinho israelense Samuel Appelbaum, esquadrinhando as opacas águas onde nadam milhares de percas gigantes. Sob o sufocante Sol do deserto do Neguev, os tanques aquícolas luminescentes – vislumbre de miragens líquidas nessa espécie de ressecada paisagem lunar – estão repletos desta variedade típica dos mares tropicais, que aparentemente se sentiriam mais em sua casa estando em águas do Pacífico sudeste do que na areia.

Mas, apenas aparentemente. Porque, há 14 anos, e sob orientação de Appelbaum, o produtor Amit Ziv colhe esta espécie carnívora nos tanques do kibutz (fazenda coletiva) Mashabei Sadeh. Cada exemplar pesa em torno de meio quilo. Duas vezes por semana, sua equipe de pescadores do deserto, vestindo trajes de mergulho, captura em suas redes uma tonelada e meia de percas gigantes. Todo procedimento demora 20 minutos. Depois o pescado é lavado com água gelada, a três graus abaixo de zero.

“As percas gigantes morrem de ataque cardíaco abaixo dos 15 graus”, explicou o gerente da fazenda aquícola Deli-Dag. Depois os peixes são classificados por tamanho e enviados para todo o país. O deserto do Neguev, ante uma planície solitária, onde em tempos bíblicos o patriarca Abraão andou e deu de beber ao seu rebanho, se converteu em uma fonte de dinheiro. Cientistas e produtores israelenses como Appelbaum e Ziv desenvolveram uma maneira inovadora para criar peixes tropicais que exigem água quente e levemente salgada.

As percas gigantes do deserto são vendidas a US$ 18 o quilo nas lojas mais seletas do mercado interno. Segundo Ziv, não há nada melhor do que pescado do deserto no prato. “Nossos peixes se reproduzem em ambiente não contaminado. A água é purificada pela luz solar e o ar desidratado. Naturalmente, não há outras espécies aquáticas aqui, para que não contraiam nenhuma enfermidade. Como nos países industrializados há uma grande demanda por pescado orgânico, planejamos exportar”.

Este empreendimento é fruto de décadas de pesquisas. Há cerca de 60 anos, ficou claro que a 700 metros de profundidade nesta terra desértica havia um vasto aquífero termal que datava da pré-história. Contudo, era improvável ter acesso a esse oceano de quentes águas salgadas. Naquela época, perfurar o subsolo rochoso era muito caro. No final da década de 1960, foram criadas tecnologias mais baratas e as águas geotermais se tornaram economicamente viáveis.

Atualmente, a empresa estatal Mekorot gasta cerca de US$ 1 milhão para perfurar um poço com um quilômetro de profundidade. Ao surgir sem esforços ao nível do mar, a água do poço artesiano, originalmente a 40 graus, é bombeada para a superfície da bacia a 200 metros de altura, esfriada e armazenada em tanques de peixes a uma temperatura constante de 28 graus. “Há milhares de milhões de metros cúbicos de água livre de tudo que é contaminante, um tesouro ecológico escondido que será sustentável pelo menos pelos próximos cem anos”, enfatizou Appelbaum.

Este especialista do Bengis Centre for Desert Aquaculture (Centro Bengis para a Aquicultura Desértica) primeiro precisou convencer a si mesmo de que a água era suficientemente boa para criar peixes, e não apenas árvores e verduras. Finalmente, concluiu que a água é “fisiologicamente maravilhosa”. “Os peixes precisam de água, mas estão infelizes com a salinidade da água do mar. A água salobra daqui é 20 vezes menos salgada do que a do mar, mas cinco vezes mais do que a água doce”, explicou.

“Aqui quase não temos chuvas. Para os seres humanos, o deserto significa carência de água. Para os peixes, isso não importa, desde que haja uma carga de água de alta qualidade com nitratos e amoníaco – esta contém 1.500 miligramas de cloreto por litro – e bons alimentos. Em condições secas, o oxigênio se dissolve melhor na água”, acrescentou Appelbaum. O kibutz produz 200 toneladas anuais de percas gigantes frescas. Segundo Ziv, ali são criados peixes o ano todo, e o calor ajuda para uma intensa reprodução.

Os tanques são cobertos como estufas para evitar a evaporação. A água salgada é reciclada até seis vezes antes de circular para irrigar os cultivos de jojoba e oliveiras, que prosperam graças às substâncias químicas contidas nos excrementos dos peixes. “O produto do metabolismo que os peixes excretam são uma dieta excelente para as plantas”, afirmou Ziv. Além disso, o calor geotérmico é usado no kibutz e em spas turísticos da região.

“Pegue um problema e transforme em uma vantagem”, diz o lema nacional. O Neguev constitui 60% do território nacional. A escassez crônica de água obrigou os israelenses a buscarem soluções criativas. “Se alguém vive em uma área onde abundam os recursos naturais, se preocupa menos”, admitiu Appelbaum. Os fundadores do Estado de Israel quiseram cumprir a profecia bíblica de Isaías, segundo a qual “o deserto e a solidão floresceriam como o açafrão”.

Appelbaum não compartilha dessa visão. “Não quero conquistar nem mudar o deserto. Gostaria de mantê-lo intocado, uma beleza pura. Simplesmente, quero amá-lo, viver nele, com ele e dele”, explicou. O desenvolvimento no Neguev pode voltar a ser uma questão de patriotismo estratégico, mais do que um empreendimento meramente lucrativo, caso este pequeno país, onde a terra é tão escassa como a água, se retire dos territórios ocupados em troca da paz com palestinos e sírios.

Os direitos sobre a água, tanto na Cisjordânia (e no aquífero que se estende por baixo), como nas mais férteis colinas de Golã (e o extremo nordeste do Mar da Galileia, ao sul dessa região), foram assuntos controvertidos em negociações anteriores. “As terras áridas formam 40% do planeta e são consideradas pobres, inúteis, malditas. Isto é um erro. Pensemos positivamente”, disse Appelbaum. As terras desérticas com pouca densidade de população são importante fonte de recursos não explorados, afirmou. “A tecnologia é simples e pode ser aplicada em qualquer lugar onde houver um aquífero. Os peixes gostam de água limpa e da luz do Sol. Os desertos podem ser oceanos para os peixes, fontes de alimento para todas as nações”, ressaltou. Envolverde/IPS