Trípoli, Líbia, 10/8/2012 – Grávidas que sofrem aborto espontâneo devido a maus tratos, subsaarianos detidos sem água nem comida, celas superlotadas por vítimas de uma justiça arbitrária, somalianos repatriados à força. Esta é a realidade de aproximadamente 80 mil pessoas que abandonaram suas casas na Líbia depois da revolução. Entre estes há muitos líbios perseguidos por pertencerem a etnias que foram leais ao antigo regime de Muammar Gadafi (1969-2011) e outros que fugiram de suas localidades devido aos combates entre as diferentes milícias que existem no país.
Também há imigrantes e solicitantes de asilo procedentes de países vizinhos. Todos se encontram em cerca de 30 centros de detenção e acampamentos para refugiados administrados pelo governo, milícias, exército e pela polícia. Muitos desses centros recebem ajuda de organizações não governamentais líbias e internacionais, mas seus recursos continuam sendo limitados.
“Desde maio, cem pessoas morreram tentando ir para a Europa em botes sobrecarregados e inseguros. A cada mês há milhares de refugiados que fazem essa perigosa viagem porque estão desesperados”, disse à IPS o encarregado de programas de proteção na Líbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Samuel Cheung. “Os mais vulneráveis nesta situação são as mulheres grávidas e os homens com ferimentos a bala e que não podem receber cuidados médicos adequados”, afirmou.
Cerca de 20 mil dos aproximadamente 35 mil refugiados tawerghas, líbios de raça negra e descendentes de escravos que habitavam a localidade de mesmo nome, muitos dos quais apoiavam Gadafi, estão nos acampamentos de refugiados de Trípoli e Bengasi (nordeste). Tawergha foi utilizada por Gadafi como base para atacar o reduto rebelde de Misurata (noroeste), a apenas 38 quilômetros de distância.
Nafisa Muhammad, de 31 anos, agora vive em um sufocante cômodo em um prédio pré-fabricado na estrada que leva ao aeroporto de Trípoli. Ela é secretária na Universidade de Misurata e tem o “luxo” de contar com uma casa própria, ao contrário da maioria das 400 famílias tawerghas no acampamento para refugiados de Fillah. “Meu filho de um ano morreu durante os combates em Misurata entre os rebeldes e os tawerghas partidários de Gadafi”, contou Muhammad à IPS. “Dois de meus irmãos morreram durante a guerra, um em combate e o outro, civil, foi sequestrado no aeroporto de Bengasi por milicianos de Misurata e apanhou até morrer em um centro de detenção”, acrescentou.
O primo de Muhammad morreu quando ele e outros combatentes leais a Gadafi foram colocados em um caminhão no qual atearam fogo. Os rebeldes também enviaram vídeos dos corpos mutilados para suas famílias. Isto foi uma represália pelas supostas atrocidades cometidas por leais a Gadafi contra os civis de Misurata durante o cerco à cidade.
Hannah Jaballah, de 25 anos, vizinha de Muhammad, fugiu, com seu marido e as duas filhas pequenas, de Misurata durante os combates. As crianças agora passam o tempo brincando no lixo que cerca os dormitórios pré-fabricados no acampamento de Fillah. Há um mês seu marido foi sequestrado por milicianos de Misurata no centro de Trípoli. “Visitei meu marido no mês passado em um centro de detenção de Misurata. Tinha um ombro quebrado e havia apanhado. Não tenho ideia de quando o soltarão”, disse Jaballah à IPS.
Muftah (não deu o sobrenome por segurança) é o coordenador do acampamento de Fillah. Ele também fugiu de Tawergha durante a guerra e agora teme deixar o acampamento. Milicianos fazem blitze regulares no lugar e sequestram homens jovens, muitos dos quais desaparecem. “Embora tenhamos liberdade para deixar os acampamentos, a maioria dos homens jovens não o faz. Dependemos das mulheres para conseguir comida e outros produtos essenciais”, explicou Muftah à IPS.
Por sua vez, Cheung disse que “entre os refugiados da Líbia também há pessoas que fugiram de seus povoados e cidades de origem devido aos contínuos combates entre milícias rivais. As raízes dos enfrentamentos às vezes remontam a tensões durante a era de Gadafi, com histórias de violência em torno das disputas de terras entre tribos e que agora revivem tensões após a guerra”.
Enquanto isso, o Acnur está preocupado pelos abusos cometidos contra refugiados e pela falta do devido processo. “Os refugiados chegaram à Líbia fugindo da perseguição em seus próprios países, mas muitos estão sendo repatriados à força, como os somalianos, que poderiam morrer ao regressarem” ao seu país, alertou Cheung. “Outros vieram para a Líbia por motivos econômicos, já que este país foi tradicionalmente fonte de emprego para muitos estrangeiros”, acrescentou.
As condições em que se encontram nos centros e acampamentos estes refugiados e deslocados internos também preocupa o Acnur. “Muitas dessas condições estão abaixo dos padrões internacionais, e esta situação se exacerbou pela falta de financiamento, que priva esses centros dos recursos necessários”, detalhou Cheung. Envolverde/IPS