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Rio+20: Os povos da Cúpula

por Alice Marcondes, da Envolverde –

Uma verdadeira festa de cores, sons e harmonia recebe os visitantes na Cúpula dos Povos. Um passeio pelo lugar é uma lição de tolerância e sustentabilidade.

Um dos portais de entrada da Cúpula dos Povos. Crédito: Alice Marcondes

Um olhar desavisado para o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, pode causar a sensação que o local foi tomado por uma imensa feira de artesanatos. Circulam pelas dezenas de barraquinhas de lona branca, muitos índios, artistas e representantes das mais diversas etnias e culturas. Porém, as pessoas que ali estão, esperam vender muito mais do que objetos e artefatos, elas querem que o mundo compre suas ideias. O Aterro é o palco, de 15 a 23 de junho, da Cúpula dos Povos, uma atividade paralela à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O evento tem como temas principais a luta por justiça social e ambiental, contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns.

Assim como aconteceu na Rio 92, a Cúpula do Povos é o espaço onde a sociedade civil pode se manifestar. Grupos com as mais diversas reivindicações, que vão da inclusão social ao fomento da agroecologia, dão ao local uma atmosfera de militância. Muitas faixas expressam ideologias e protestos e palavras de ordem são ditas ao microfone todo o tempo. A área conta também com espaços para o que eles chamam de Atividades Autogestionadas, que são palestras e debates promovidos pelas mais de 50 redes de organizações e coletivos nacionais e internacionais que estão no evento.

Um passeio pelo local é uma festa de cores, músicas e natureza. Um grupo de jovens vestidos de palhaço e pintados a caráter distribuem “abraços grátis”. Para que não aconteçam mal entendidos, as plaquinhas estão também em inglês e a maioria dos transeuntes não perde a oportunidade do carinho descontraído. Outra palhaça bastante animada faz um teatro de rua sobre educação ambiental, enquanto alguns cicloativistas distribuem panfletos contando como saíram de diversos Estados do país e vieram sobre duas rodas para a Rio+20. “Saí de Alagoas e demorei 28 dias para chegar aqui. Seis patrocinadores e rifas ajudaram no financiamento da nossa viagem. Nós queríamos provar que a bicicleta é realmente um meio de transporte, tanto que trouxe a gente de Maceió para participar da Conferência”, contou Lucival de Oliveira Lima, um dos participantes do grupo.

Faixas com dizeres de protesto estão por todos os cantos na Cúpula dos Povos. Crédito: Alice Marcondes

Manifestações contrárias à Usina Hidrelétrica de Belo Monte estão por toda a parte. O apoio ao movimento dos catadores e à causa indígena também são assuntos bastante lembrados. “Sou catadora de rua e luto contra a incineração, que se acontecer vai tirar o meu sustento. Vim aqui passar a minha mensagem porque aqui é a Cúpula dos Povos, que é o lugar dos povos que são excluídos”, desabafou Isodélia Santos, de 54 anos, que veio de Salvador, na Bahia, para participar do evento.

E como não poderia faltar em um ambiente de tanta tolerância, militantes pedem a criminalização da homofobia e distribuem camisinhas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. “Hoje o Brasil é o país que mais assassina gays, lésbicas e travestis. Chegamos a 210 mortos só em 2012. Exigimos que o Congresso Nacional respeite a nossa população, que é mais de 10% dos brasileiros. Não queremos mais ser violentados”, exclamou Carlos Alves, 45 anos, que é carioca e aproveitou o evento para levantar a bandeira da causa.

Se quiser levar uma lembrança do lugar, o visitante pode escolher entre a feira de economia solidária, os artesanatos indígenas tradicionais e obras de arte. Se a grana estiver curta, é só ir até a feira de trocas, se desfazer de algo que não usa mais e sair com um objeto mais útil. Na hora da fome, uma praça de alimentação com produtos orgânicos e comida vegetariana à disposição. Caso o visitante fique sem bateria no celular, pode pedalar por alguns minutos em bicicletas instaladas em quiosques, que geram energia para fazer a recarga.

Jovens oferecem “abraços grátis” da Cúpula dos Povos. Crédito: Alice Marcondes

Muitos exemplos de modos de vida mais sustentáveis podem ser vistos na Cúpula dos Povos, mas o principal deles é a sustentabilidade das relações. Militantes do movimento pela legalização da maconha convivem em plena harmonia com as organizações religiosas e todos dançam juntos ao som da música Hare Krishna. “Estávamos receosos de que houvesse hostilidade por parte dos religiosos, mas a convivência com a juventude cristã e outros grupos está bem tranquila”, comentou Lucas Liche, de 25 anos, integrante do movimento Marcha da Maconha Brasil. Os povos da Cúpula dão uma verdadeira lição de igualdade e de que a união é a única maneira de se chegar a um objetivo comum, que é o bem-estar do planeta.

Porém, os governantes reunidos no Riocentro provavelmente não absorveram a mensagem, já que, a quilômetros de distância, ficou difícil que as vozes fossem ouvidas.

Veja aqui a galeria de fotos da Cúpula dos Povos.