Nairobi, Quênia, 21/3/2012 – Em um micro-ônibus que funciona como táxi, o motorista muda de emissora justamente quando entra na estrada Ngong. Então, sintoniza Pamoja Rádio 99.9 FM, uma estação comunitária local que é ouvida somente no assentamento de Kibera, no Quênia. “Ouvimos alguns conselhos”, contou em swahili ao passageiro. “Cada vez que sintonizo a Pamoja Rádio aprendo algo novo, uma nova lição de vida. ali se discute questões familiares que a maioria de nós desconhece. Abordam o desemprego e a maioria promove o autoemprego”, disse o motorista.

No fim de semana passado ouviu um jovem da comunidade explicando como fez para sair da pobreza usando um empréstimo dado por uma instituição dedicada a microfinanças, acrescentou. É meio da manhã, o apresentador é Asmani Maringa, e se ouve uma das canções mais populares em swahili: “umejuaje kama si umbea?, que significa “como sabe que não são boatos?

Ao final da música, a voz de Maringa continua falando sobre o tema do dia. “Para os que ligaram agora, estamos discutindo a paz nas famílias. Quero entender porque nos últimos tempos as esposas estão maltratando seus maridos em algumas partes do país”, anuncia. Embora delicado, o tema faz sorrir os passageiros do micro-ônibus, ou “matatu”, como se chama localmente esse meio de transporte. O assunto dominou as manchetes da imprensa há três semanas, quando vários homens de Nyeri, na Província Central, foram hospitalizados depois que suas mulheres, supostamente, bateram neles.

“Usamos gêneros musicais populares para apresentar temas que promovam a paz entre os habitantes do assentamento de Kibera”, explicouo Adam Hussein, fundador e diretor-gerente da emissora. “Além das notícias, todos os demais programas devem ter um tema de debate, permitindo aos ouvintes contribuírem mediante telefonemas, Facebook e mensagens de texto”, acrescentou.

“Pamoja” significa juntos em swahili. A rádio foi criada em 2007 para promover a unidade entre os habitantes de Kibera e para promover a autonomia econômica dos jovens do lugar por meio da educação, da informação e do entretenimento. A rádio é operada por nove voluntários do assentamento e suas transmissões atingem o raio de dois quilômetros.

A Internews Network in Kenya, uma organização não governamental que se dedica a formar jornalistas, foi crucial na hora de oferecer instrução gratuita sobre os segredos do rádio aos voluntários. Após a violência pós-eleitoral que sacudiu o país no final de 2007, suspenderam as transmissões da rádio por ter tentado levar paz e entendimento à área. Depois que o presidente Mwai Kibaki venceu as eleições, os partidários de Raila Odinga denunciaram fraude eleitoral. Mais de 1.500 pessoas morreram devido à violência desencadeada e outras 500 mil tiveram que fugir.

“Como Kibera é o distrito de onde vem Odinga, foi uma das áreas mais afetadas, com casas incendiadas, massacres de pessoas e destruição de propriedades”, recordou Hussein. Nesse momento, a gerência da rádio dedicou boa parte de suas transmissões a mensagens de paz nos vários idiomas locais falados em Kibera.

“Nos preparamos para dissipar a violência até certo ponto. Convidávamos os moradores mais furiosos, ansiosos para expressar suas opiniões publicamente mediante um canal como a rádio”, contou Hussein. “Prometemos lhes dar tempo no ar para que o fizessem. Mas quando chegavam à emissora os fazíamos passar por uma breve sessão de terapia, após a qual os convencíamos a falar e pregar a paz ao resto da comunidade”, acrescentou.

Após essa experiência, a rádio desenvolve programas e atividades dirigidas a promover a paz nos âmbitos comunitário e familiar. Com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, a emissora também patrocina campeonatos de futebol em Kibera para “usar o esporte como ferramenta de promoção da unidade”, explicou Hussein.

Além dos esportes, a rádio se centra em questões que afetam a vida cotidiana dos moradores de Kibera. Nancy Mweu apresenta o programa Mwanamke ni Mwangaza, que em swahili significa “uma mulher é uma fonte de luz”. É transmitido ao vivo, atende telefonemas dos ouvintes, e recebe convidados de prestígio, membros da sociedade ou que passaram por experiências particulares, que Mweu sente que necessitam compartilhar com outros moradores do lugar. “Por meio de experiências da vida real no programa, foi possível convencer as mulheres que, apesar de sua pobreza, podem ir em frente. De que o planejamento familiar funciona, e que ser HIV positiva não significa sentença de morte” explica.

Habil Esiroyo Chitwa, que conserta aparelhos de rádio em Kibera, é um de seus ouvintes, e conta à IPS que até ouvir o programa sobre HIV, transmitido em dezembro passado, nunca se preocupara em fazer exame para saber se tinha o vírus causador da aids. “Minha mulher fez o exame quando estava grávida e deu negativo. Mas um dia, na Pamoja Rádio estava um casal convidado e assim ficamos sabendo que o homem era HIV positivo e a esposa negativa. Tinham um filho. Isso me fez pensar e fui fazer o exame”, contou. Envolverde/IPS

* Este artigo foi produzido com apoio da Unesco (www.unesco.org/new/es/unesco).