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Os “tenores” socialdemocratas otimistas sobre a América Latina

A partir da esquerda: os três “tenores”, Lagos, Cardoso e González. Fot: Divulgação

Caracas, Venezuela, 13/3/2012 – A América Latina “vive um dos melhores momentos de sua história”, porque sua economia cresce e sua pobreza diminui, afirmaram em coro na capital venezuelana os ex-presidentes e ex-líderes socialdemocratas Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, Ricardo Lagos, do Chile, e Felipe González, da Espanha.
“Estamos de acordo, somos companheiros na mesma ópera, como os três tenores”, disse Fernando Henrique, presidente do Brasil entre 1995 e 2003, aos jornalistas, referindo-se aos concertos realizados em várias capitais pelos famosos tenores espanhóis Plácido Domingo, José Carreras e o já falecido italiano Luciano Pavarotti.

Da crise que sacudiu o mundo desde o estouro nos Estados Unidos da bolha financeira em 2008, “pela primeira vez podemos dizer que, neste caso, na América Latina somos inocentes”, afirmou ao seu lado Ricardo Lagos, que governou o Chile entre 2000 e 2006. “Isto significa que a região alcança um nível de desenvolvimento ao qual não estávamos acostumados, que é capaz de derrotar a pobreza, pois a reduziu de 44% para 34% entre 2000 e 2010, e surgem setores médios, com novas demandas”, acrescentou.

Felipe González, primeiro-ministro da Espanha entre 1982 e 2006, recordou que, em 1989, “o eixo norte-Atlântico dos Estados Unidos e da Europa, mais o Japão, representavam 70% do produto mundial e marcavam a pauta da economia mundial”. E acrescentou: “recordemos que, na época, o Japão parecia impossível de ser contido, comprando o Rockefeller Center (em Nova York) e metade da Austrália. Desde então, parou e, só no último ano, cresceu um pouco com a reconstrução que se seguiu ao terremoto e tsunami” de março de 2011.

Agora, por contraste, “75% do crescimento econômico mundial está dividido entre 15 países emergentes, e não há nenhuma possibilidade de isto ser feito por esse eixo norte-Atlântico mais o Japão. Acabou o abuso dos países industrializados, que impunham os preços de compra das matérias-primas e de venda das manufaturas”, opinou o líder espanhol. “A Europa, como o Japão e os Estados Unidos, perde importância. Um dado: US$ 550 bilhões da dívida europeia e US$ 1,3 trilhão da dívida norte-americana estão nas mãos da China. Agora é a vez da Ásia e da América Latina, uma região que se tornou extraordinariamente atraente”, ressaltou González.

Fernando Henrique, González e Lagos estiveram em Caracas, entre os dias 9 e 11 deste mês, para apresentar uma conferência conjunta sob a diretriz de Uma Economia com Rosto Humano, organizada pela entidade financeira privada Banesco, em um fórum com o título de Palavras para a Venezuela. Os ex-mandatários e dirigentes da social-democracia mundial expuseram diretrizes e recomendações para que a América Latina se beneficie dessa conjuntura.

“Temos um aumento importante na renda por habitante, mas agora temos que melhorar a distribuição da renda. Se queremos distribuir, temos que crescer, e se queremos continuar crescendo temos que distribuir”, afirmou Lagos. O líder chileno apresentou uma lista de desafios que a América Latina deve encarar para ter um crescimento econômico parelho com uma melhor distribuição da renda, sendo que o primeiro se refere à democracia. “A democracia não chega um dia e pronto, está perfeita. Não. É preciso cuidar dela, regá-la como a uma planta, aprofundá-la. Além disso, temos o desafio da democracia do futuro, pois as novas tecnologias implicam imediatismo entre o emissor e a opinião e a resposta que recebe”, destacou. “Talvez, voltemos à praça de Atenas no tempo de Péricles (o político, estrategista e orador que determinou o Século 5 antes de Cristo), democracia mais direta e imediata, e não como a que temos, representativa”, acrescentou.

Os “tenores” evitaram tratar de questões pontuais eleitorais da Venezuela, já imersa em uma campanha presidencial. Contudo, González apontou que “a essência da democracia é a aceitação da derrota. É preciso ter a expectativa de que algum dia, em razoável igualdade de oportunidades, a derrota se converterá em vitória”, e vice-versa. Para Lagos, “os latino-americanos devem entender que viveremos em um mundo global, não de direita ou esquerda. Se a sociedade se fizer à imagem e semelhança do mercado, reproduzirá suas desigualdades. Tampouco tem a ver com o mundo de hoje acreditar que ser de esquerda é voltar a utopias do passado”.

Segundo Fernando Henrique, “devemos ter um olhar local e ao mesmo tempo um olhar global. Sustentar interesses de classe não significa não olhar os interesses de toda a humanidade, os valores, os direitos humanos, a questão ambiental”. Diante de uma pergunta, ele rechaçou que possam ser compatíveis militarismo e socialismo na América Latina: “Não há quem possa pensar no militarismo como uma ferramenta de libertação. Isto é algo do passado. O que as pessoas pretendem é inclusão, regulação ou contrapeso ao mercado, não aceitarão um socialismo que não contenha liberdade nem o militarismo como imposição de uma categoria sobre as demais que compõem uma sociedade”.

Um desafio “fácil de dizer, mas difícil de fazer, é passar de uma sociedade de direitos para uma de garantias, isto é, do papel para a realidade prática”, afirmou Lagos. Outros desafios são manter os níveis de crescimento e focar o gasto para que não fiquem para trás regiões ou setores, recusar-se a utilizar renda fiscal proveniente de recursos naturais esgotáveis para financiar gastos correntes, e “sermos capazes de nos relacionarmos com os novos centro de poder mundial”. Para Fernando Henrique, o Brasil, já convertido em potência, “deve ser humilde. Poderemos exercer influência, mas nunca impor. A imposição não serve, nem para dentro nem para fora”. E, “assim com em nossas nações deve haver consenso sobre questões básicas, no mundo dos grandes blocos ou falamos com uma só voz ou não seremos ouvidos”, concluiu Lagos. Envolverde/IPS