Buenos Aires, Argentina, 25/1/2012 – A escassez de umidade na zona agropecuária mais produtiva da Argentina já provocou uma queda na produção de grãos – sobretudo milho e soja –, com as consequentes perdas para os produtores e o fisco. No momento, a seca deste verão austral parece menos intensa do que a que afetou a colheita 2008-2009, considerada a mais grave em cem anos e que causou queda superior a 37% na produção agrícola e perda de gado.
Entretanto, e apesar do alívio pelas chuvas que caíram no começo desta quarta semana de janeiro, já se estima perdas na produção de grãos, nas exportações e na arrecadação tributária. Na Argentina, os cereais representam 38% das vendas externas, sem contar as manufaturas de origem agropecuária.
“Para este ano esperava-se uma produção recorde de 111 milhões de toneladas de grãos, mas com esta falta de chuva calculamos, agora, uma queda para 97 milhões de toneladas”, disse à IPS o analista Gustavo López, da consultoria Agritrend Argentina. López alertou que o cultivo “mais complicado” atualmente é o milho, com acentuadas perdas inclusive se começar a chover abundantemente, e não se animou a descartar a possibilidade de se repetirem os níveis de perdas de 2008-2009.
A Argentina é o segundo exportador mundial de milho, depois dos Estados Unidos. Em 2011 foram colhidos 23 milhões de toneladas e para este ano a projeção é de 29 milhões, mas, com sorte, se chegará a 22 milhões de toneladas, estimou López. O Ministério da Agricultura já criou um Fundo de Emergência de quase US$ 120 milhões para apoiar o financiamento dos pequenos produtores mais afetados pelas perdas.
Empresários rurais afirmam que a queda na produção em algumas regiões chega a 30% e em outras é menor ou nula. O certo é que, ao contrário do previsto, a colheita total não vai superar a de 2011, que foi de 103 milhões de toneladas.
“Não sabemos o que pode acontecer”, declarou à IPS o deputado Omar Barchetta, do Partido Socialista e dirigente da Federação Agrária Argentina, que agrupa pequenos e médios produtores. “Não sei se esta seca será mais leve ou pior do que a anterior, até agora se vê um panorama complicado. Hoje falei com um produtor do sul da província de Santa Fé que perdeu todo o milho e 30% da soja”, afirmou.
Barchetta disse que a região central do país, a mais produtiva, é a mais afetada pelo fenômeno La Niña, que altera o regime pluviométrico, provocando escassez de chuva na Argentina, no Uruguai, parte do Paraguai e Brasil.
A central província de Córdoba, declarada em “emergência agropecuária”, é uma das mais castigadas, e também quase toda Santa Fé, o litoral do país e a província de Buenos Aires, no leste, com exceção das localidades do extremo sul. Também estão afetadas as províncias de Chaco, Santiago del Estero e Entre Rio (no norte), La Pamba (oeste), e Rio Negro, conde começa a região sul patagônica.
A falta de chuva é sentida desde novembro. O terceiro final de semana deste mês choveu em algumas áreas, mas não o suficiente e “de maneira muito desigual. É uma chuva não abundante e sem a cobertura geral que necessita”, alertou López. Segundo o último informe da Bolsa de Cereais, o fenômeno El Niño/Oscilação do Sul (Enos), que afeta o Pacífico Sul, e sua contraparte La Niña causam secas cada vez mais frequentes, devido ao aquecimento global.
Em 2008, as chuvas escassearam desde novembro e eram esperadas para meados de janeiro, mas atrasaram até março, quando o dano já era irreversível. A colheita de grãos caiu de 96 para 60 milhões de toneladas. Os meteorologistas afirmam ser pouco provável que um fenômeno tão intenso se repita este ano, mas não o descartam. Agora, eram esperadas chuvas para meados deste mês, mas o que cai são precipitações leves e isoladas. No dia 23, caíram chuvas mais abundantes, que trazem maiores expectativas para a soja, que mesmo assim terá uma colheita menor do que a esperada, lamentou López.
Quanto ao milho, o analista considera que se deve ter precaução, apesar das chuvas. Os cultivos mais críticos são soja e milho, em plena campanha de plantar ou colher. A soja ocupa mais de 50% da superfície plantada. Em 2011, foram colhidos 50 milhões de toneladas, das quais 45 milhões destinadas à exportação.
Para este ano eram esperadas 52 milhões de toneladas de soja, mas a produção pode cair para 48 ou 46 milhões de toneladas, de acordo com as previsões da consultoria Agritrend. A redução poderá ser maior se persistir o fenômeno da falta de umidade. Na seca anterior, a colheita apresentou queda de 31 milhões de toneladas.
Quanto ao milho, o rendimento médio dos últimos anos foi de sete toneladas por hectare, e agora, pela falta de chuva, está dando entre seis e 6,6 toneladas por hectare, explicou López. Se chover, como ainda existem áreas que não foram plantadas, o prejuízo será menor do que se persistir a seca. Na seca anterior, o rendimento do milho foi de 5,6 toneladas por hectare.
López previu que as exportações do campo cairiam US$ 5 bilhões este ano, devido a este retrocesso geral causado pelo clima desfavorável e pela leve baixa dos preços internacionais. Com relação à arrecadação tributária, o principal impacto será a redução no imposto sobre exportações, que cairá cerca de US$ 1,3 bilhão, estimou López. Outros analistas preveem uma arrecadação ainda maior.
A consultoria Econviews, do economista Miguel Kiguel, considera que com uma queda média de 15% nos preços do setor e uma redução de 5% no volume de produção, as exportações cairão para menos de US$ 6 bilhões este ano. Em 2011, as vendas externas agrícolas chegaram a US$ 29,4 bilhões, volume que deixou para trás a seca de 2008-2009, quando o setor agro exportou US$ 16,7 bilhões. Agora, novamente a escassez de umidade volta a deixar em suspense a terceira economia da América Latina. Envolverde/IPS