Acra, Gana, 2/3/2012 – Quando Jack Sabadgou deixou Gana para ir morar na Suíça, há dez anos, deixou sua filha menor aos cuidados de sua mãe. Agora quer recuperá-la, e corre contra o tempo para salvá-la da mutilação genital feminina. A garota, Yuma, agora com 13 anos, vive na aldeia de Bawku, norte de Gana, onde sobrevivem práticas tradicionais como a chamada circuncisão feminina.
Quando a avó de Yuma teve diagnosticado câncer de mama, ela atribuiu a doença a espíritos malignos que a castigaram porque sua neta não foi circuncidada. “É uma doença”, lamentou Sabadgou, da Suíça. Ele afirmou que sua mãe não entende que o câncer nada tem a ver com espíritos malignos nem com sua neta. “Não quero perder duas pessoas. Amos as duas”, afirmou tentando conter o choro.
A mutilação genital feminina (MGF) é um termo genérico que compreende diferentes procedimentos como a extirpação total ou parcial das genitais externas da mulher ou outro tipo de intervenção em seus órgãos sexuais sem justificativa médica. Esta prática foi proibida em Gana em 1994, e é condenada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS). A OMS disse que a ablação só causa danos nas meninas. Pode provocar infecções recorrentes na bexiga e no aparelho urinário, quistos e infertilidade.
Contudo, em aldeias como Bawku, a prática continua inalterada. E é evidente o desespero de Sabadgou para salvar sua filha. Ele voltou a Gana no começo de fevereiro para pedir a guarda da filha e poder levá-la para a Suíça. Após completar a parte burocrática, falou com os líderes da aldeia para pedir que detivessem a MGF, mas não o ouviram. Agora, está na Suíça esperando o resultado do seu pedido. Nas regiões do norte de Gana, a MGF é, geralmente, praticada entre dezembro e fevereiro. Sabadgou acredita que tem até o final deste ano para salvar sua filha da ablação.
Florence Ali, presidente da não governamental Associação de Gana para o Bem-Estar das Mulheres, foi a única aliada de Sabadgou neste país africano. Antes de dedicar sua vida à luta contra a MGF, Ali foi parteira. Muitas das mulheres que assistiu, bem como os bebês que carregavam no ventre, morreram devido a complicações causadas pela ablação. Uma mulher não conseguiu dar à luz por causa das cicatrizes de sua vagina. No momento Ali não contava com os equipamentos necessários para fazer uma cesariana, e, portanto, mãe e bebê morreram.
A diretora do Departamento de Infância, Mariana Yayah, disse que a MGF é praticada em Gana para privar as mulheres do prazer sexual e com o argumento de que, desta forma, são leais aos seus maridos. Muitos ganenses do norte consideram que a mutilação é algo normal na vida de uma mulher. Sabadgou pretende regressar a Bawku em dezembro para tentar convencer as mulheres jovens da aldeia de que a prática é prejudicial. “Será uma luta. Não vai ser fácil”, admitiu, e explicou que ninguém na aldeia apoiava sua postura contra a MGF.
No entanto, Sabadgou está disposto a continuar sua luta até as últimas consequências. Os responsáveis pelas ablações em Gana podem ser condenados de cinco a dez anos de prisão se forem julgados. Mas as autoridades não fazem o suficiente para detê-los, denunciou. A OMS estima que 92 milhões de meninas de dez anos sofreram MGF na África. Em apenas 22 países do continente há leis contra essa prática. Em 2008, a Assembleia Geral da OMS aprovou uma resolução contra a MGF.
Ali recordou que, em 2011, uma assembleia de líderes africanos em Malabo, na Guiné Equatorial, apoiou o rascunho de uma resolução da 66ª sessão ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas para proibir a MGF em todo o mundo. “Esperamos que na próxima reunião da Assembleia Geral tenhamos uma proibição mundial da MGF”, acrescentou. Para Sabadgou, a luta contra a MGF começa com a conscientização. “Precisamos falar do assunto. Deve começar agora”, afirmou. Para ele, os meios de comunicação de seu país não fazem o suficiente para denunciar o costume e propõe que as autoridades das regiões do norte de Gana discutam o tema no parlamento.
O Departamento da Infância faz tarefas de defesa das meninas, mas seus recursos são limitados. A organização de Ali tem ainda mais carências. Conta com um pequeno escritório perto do pátio de recreio de uma escola em Acra, onde brincam centenas de meninos e meninas, obrigando-a a elevar a voz sempre que está discutindo um tema. “Não é fácil combater a MGF, ainda lutamos para eliminá-la do sistema. Temos um longo caminho pela frente. Todos têm um papel a desempenhar”, afirmou. Envolverde/IPS