Países em desenvolvimento contra redução de fundos

Nações Unidas, 19/4/2011 – O Grupo dos 77, a maior coalizão de países em desenvolvimento, divulgou um enérgico protesto contra a iniciativa de reduzir em US$ 155 milhões o orçamento da Organização das Nações Unidas (ONU) para os próximos dois anos. Em carta dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o G77 destaca a importância de um orçamento que considere as necessidades específicas de cada programa das Nações Unidas e não os interesses nacionais de um punhado de países-membros.

Em referência aos Estados Unidos e a outros Estados ocidentais que pedem reduções, o G77 afirma que busca “tornar explícita a voz de 131 países-membros (incluída a China) que pedem um orçamento centrado nas necessidades reais da organização, e não no interesse interno de alguns membros”. O G77 afirma também que o secretário-geral não tem o poder de modificar unilateralmente o orçamento nem de aprovar cortes sem consultar a Assembleia Geral de 192 Estados.

Os países em desenvolvimento rejeitam qualquer reestruturação da ONU centrada em reduções, como a unificação de diferentes departamentos, comissões ou escritórios regionais e atividades. Para o G77, estas medidas devem ser resolvidas pelos Estados-membros na Assembleia Geral. As reduções propostas incluem viagens oficiais – substituídas por videoconferências -, consultorias e informes impressos (que passariam a ser eletrônicos) e pagamento de horas extras.

Além disso, o secretário-geral quer “revisar” o uso de bibliotecas em toda a ONU, talvez com a intenção de restringir ou eliminar esses serviços. Ban também tentaria a cobrança pelo secretariado dos serviços que presta a vários fundos e programas das Nações Unidas. “Devemos ser realistas sobre o atual clima econômico, Inclusive as nações mais ricas estão apertando o cinto e reduzindo seus orçamentos. As Nações Unidas não podem ser menos disciplinadas. Não podemos continuar como estamos”, disse, há pouco, Ban a altos chefes da ONU.

Contudo o G77 resiste a essa argumentação. Em uma longa lista de pontos de discussão enviada aos seus membros no mês passado, o grupo afirma que embora “entenda o ambiente de crises internacionais interligadas que todos enfrentamos, o uso da crise econômica e financeira como razão para frear o aumento do orçamento da ONU é um argumento errado”.

“Como sabemos, bilhões de dólares foram investidos em pacotes de estímulo para salvar o sistema bancário e as economias nacionais de países desenvolvidos”, disse o G77. Portanto, a decisão de reduzir o orçamento da ONU é míope e talvez esteja movido por interesses políticos.

O grupo se indignou diante do anúncio que “o secretário-geral fez por meio da imprensa” de que buscaria uma redução de 3% do orçamento (equivalente a US$ 155 milhões) para o período 2012-2013, que começa em janeiro do próximo ano. O atual orçamento das Nações Unidas, de US$ 5,2 bilhões, é 20% superior ao de 2008-2009, que chegou aos US$ 4,2 bilhões.

Na carta a Ban, o G77 afirma que é da máxima importância que os recursos previstos no orçamento reflitam os requerimentos dos administradores dos programas, que são diretamente responsáveis pela execução dos mandatos aprovados pelos corpos de decisão da ONU. É necessária a visão e a capacidade de condução do secretário-geral para ajudar os que mais precisam. “Nas atuais circunstâncias, os países em desenvolvimento enfrentam maiores dificuldades para responder aos desafios econômicos e sociais. E só teria sentido então que a ONU, como organização que contribui para a ajuda dos rincões mais pobres e vulneráveis do mundo, recebesse recursos adicionais”, prossegue a carta.

Em nome de Ban, seu chefe de gabinete, Vijay Nambiar, disse em uma reunião a portas fechadas do Comitê de Administração e Orçamento, realizada no mês passado, que o secretário-geral pede aos seus administradores que “façam mais com menos”. Isto “não implica que possamos ignorar os mandatos da Assembleia Geral ou que busquemos truncá-los, modificá-los ou abreviá-los, alterando seu objetivo essencial”, acrescentou, tentando dissipar os temores do G77. “Trata-se de melhorar a forma como agimos, modernizar nossas operações, identificar mecanismos para ganhar mais eficiência, de modo que possamos cumprir nossos mandatos de forma mais eficaz e efetiva”, disse.

Um delegado do G77 disse à IPS que, embora se reconheça a necessidade de maior prudência fiscal, não agrada o grupo o fato de o secretário-geral aparecer “concordando com o Ocidente” e adote as suas posturas mesmo antes de começarem as negociações pelo orçamento, previstas para este ano. “Se há reduções a serem feitas, seja por qual razão for, então a decisão sobre o que deve ser cortado deve recair nos Estados-membros, e não o secretário-geral propor indiscriminadamente um corte de 3% em todo o orçamento”, disse a fonte.

Definitivamente, não cabe ao secretário-geral influir nos mandatos estabelecidos no processo intergovernamental, pois se trata de um “exercício conduzido pelos Estados-membros”, disse a fonte. Diante da pergunta se o secretariado das Nações Unidas leva a sério o G77, o delegado, que pediu para não ser identificado, disse que “em primeiro lugar devemos distinguir entre o secretariado e o secretário-geral”, que não são necessariamente o mesmo.

O G77 sente, em geral, que Ban Ki-moon se preocupa mais com o que pensam alguns sócios e trata o G77 sem o devido respeito. “Contudo, se falamos do secretariado, muitas de suas partes ainda reconhecem que o G77 é útil para elas”, respondeu o delegado. Por exemplo, é o G77 que luta com frequência para garantir que vários departamentos tenham os fundos que precisam, e está, em geral, disposto a considerar os pedidos para contratar mais pessoal. “Em resumo, o secretariado ainda leva o G77 a sério, pois este é seu aliado mais natural em muitos assuntos”, acrescentou. Envolverde/IPS