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Países do Sul perdem US$ 1 trilhão com evasão e corrupção

 Custos com evasão fiscal e corrupção chegam a pelo menos US$ 1 trilhão por ano nos países do Sul em desenvolvimento. Foto: Kristin Palitza/IPS

Custos com evasão fiscal e corrupção chegam a pelo menos US$ 1 trilhão por ano nos países do Sul em desenvolvimento. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 9/9/2014 – Facilitadas pelas leis permissivas do Norte industrial, a evasão fiscal e a corrupção custam no mínimo US$ 1 trilhão por ano em países do Sul em desenvolvimento, segundo estudo que aumenta a pressão para que os governantes adotem reformas substanciais em uma cúpula internacional a ser realizada em novembro.

Essas perdas provocariam até 3,6 milhões de mortes ao ano, segundo a Campanha ONE, uma organização que luta para mitigar a pobreza na África. A recuperação de só uma parte deste dinheiro na África subsaariana permitiria educar mais de dez milhões de crianças ou adquirir 165 milhões de vacinas adicionais a cada ano, segundo a ONE.

“Quando a corrupção prospera, ocorre retração do investimento privado, diminuição do crescimento econômico, aumento do custo dos negócios, podendo provocar instabilidade política. Mas nos países em desenvolvimento a corrupção é assassina”, afirma um documento divulgado na semana passada pela organização.

Segundo o informe, “quando os governos são privados dos recursos próprios que teriam para investir no cuidado da saúde, da segurança alimentar ou da infraestrutura básica, isso custa vidas, e o maior preço são as crianças que pagam.

A análise se centra na lavagem de dinheiro, suborno e evasão fiscal por parte de atores privados que atuam ilegitimamente e funcionários públicos. O dinheiro perdido não corresponde à ajuda destinada ao desenvolvimento, mas aos ganhos empresariais não declarados, uma evasão fiscal que gera menos fundos para financiar os serviços públicos essenciais.

O comércio internacional oferece um ponto fundamental para a manipulação, e as indústrias extratoras são especialmente vulneráveis, segundo a Campanha ONE. Só na África, as exportações dos recursos naturais aumentaram cinco vezes entre 2002 e 2011, o que proporcionou grandes oportunidades de lucro para a corrupção.

Nesse período “fomos testemunhas de um aumento exponencial das correntes financeiras ilícitas em todo o mundo”, detalhou à IPS Joseph Kraus, especialista em transparência da ONE. “Mas, enquanto todos estamos familiarizados com a corrupção dos países em desenvolvimento, o tango é dançado a dois. Esse dinheiro frequentemente acaba nos centros financeiros dos países do Norte. Esses bancos, advogados e contadores são, em essência, facilitadores da corrupção. Para chegar à raiz do problema temos de ir atrás dos problemas ali”, recomendou.

A sociedade civil, incluída a Campanha ONE, aumenta a pressão sobre os países industrializados para que adotem medidas de transparência. Algumas dessas medidas apontam contra a corrupção nos países em desenvolvimento, como o fortalecimento de leis que obrigam as indústrias extratoras a declarar seus ganhos e as normas de liberdade de informação que permitem aos cidadãos maior controle das atividades de seus governos.

Outras medidas teriam de ser adotadas pelos países industrializados, em particular os principais centros financeiros, como Estados Unidos e Grã-Bretanha. Entre elas se incluem normas exigindo o intercâmbio automático de informação fiscal entre os Estados, publicação de informação sobre a propriedade das empresas e a obrigação das transnacionais de informar sobre sua renda em cada país.

“Há 18 meses ninguém falava das empresas fantasmas nem das companhias fictícias anônimas. Mas estas questões ganharam muito impulso em um curto período”, disse Kraus. Isto se deve à preocupação das economias avançadas com a redução dos orçamentos públicos como consequência da crise econômica mundial, embora sejam os países em desenvolvimento os que mais se beneficiarão com estas reformas.

Os defensores dessas mudanças esperam progressos na cúpula do Grupo dos 20 (G20) países mais avançados e dos maiores emergentes do mundo, que acontecerá nos dias 15 e 16 de novembro na Austrália, e também em duas reuniões prévias de ministros das Finanças. O G20 representa cerca de dois terços da população, 85% do produto interno bruto e mais de 75% do comércio do planeta.

Os membros do G20 são África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Turquia e União Europeia. O Grupo assumiu um papel destacado em questões de estabilidade financeira mundial e, mais recentemente, ao defender o intercâmbio automático de informação fiscal entre os governos. Em novembro seus ministros poderiam aprovar uma norma internacional nesse sentido.

“Durante muito tempo os países do G20 fizeram vista grossa à forte saída de fundos dos países em desenvolvimento que eram canalizados por intermédio de contas bancárias extraterritoriais e empresas secretas”, pontuou John Githongo, ativista contra a corrupção no Quênia. “A introdução de políticas inteligentes poderia ajudar a acabar com este escândalo de bilhões de dólares e colher grandes benefícios para nossa gente, praticamente sem custo. O G20 deve adotar já essas mudanças”, ressaltou à IPS.

Na verdade, muitos países do G20 instituíram algumas dessas reformas por conta própria. O governo britânico, por exemplo, decidiu de maneira unilateral publicar a informação sobre a propriedade das empresas, enquanto os Estados Unidos foram os primeiros a aprovar rigorosos requisitos de transparência para as companhias transnacionais extratoras.

Essas leis nacionais podem levar outros países à ação, mas muitos sentem que apenas um enfoque integral vai gerar um impacto substancial. Além disso, vários governos se comprometeram a atuar, mas ainda não cumpriram.

“As correntes financeiras ilícitas são um exemplo perfeito de um problema transnacional, já que se tem dois regimes jurídicos nos quais são exploradas as lacunas jurídicas”, pontuou Josh Simmons, assessor de Integridade Financeira Mundial da organização norte-americana que forneceu dados para o informe da Campanha ONE.

“Quando um órgão de cooperação internacional consegue identificar essas lacunas, pode fazer com que os países membros reajam em sincronia para abordar a situação. Mas, se apenas um país tenta fazê-lo, provavelmente as empresas se mudarão para outro lugar”, destacou Simmons. Envolverde/IPS