Muitos eventos assinalam a Semana do Meio Ambiente e levam a balanços no país e no mundo. Talvez o dado mais otimista seja o inegável avanço da consciência social quanto à gravidade das questões ditas ambientais e à necessidade urgente de políticas públicas adequadas.
Pode-se começar pela Amazônia, um bioma com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, mais de 70% da água superficial do país, 45% da água subterrânea potável do planeta, reservas valiosíssimas de carbono estocadas na floresta e no solo (mais que as primeiras), 209 milhões de hectares de florestas públicas cadastradas. Mas há poucas semanas o governo federal teve de criar uma “força-tarefa” na tentativa de refrear ali novo aumento do desmatamento (cresceu 27% de agosto de 2010 a abril de 2011) e o abate de árvores (cresceu 2% de agosto de 2010 a abril de 2011, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Serão 900 servidores de vários órgãos. Mas logo de saída se deixou claro que não haverá condições sequer de proteger a vida de mais de uma centena de pessoas ameaçadas de morte por desmatadores ilegais, que estariam aumentando suas atividades por temerem que sobrevenha legislação que os coíba – como admitiu o ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi.
Talvez um caminho eficiente para impedir a ilegalidade seja o da regularização de terras ocupadas. Há até um programa federal criado para isso. Mas em um ano e oito meses somente 554 títulos foram reconhecidos em nove Estados (Folha de S.Paulo, 28/2/2011), pouco mais de 1% da meta de chegar a 54 mil até o final de 2010. Dificilmente se avançará se o Ministério do Meio Ambiente continuar a ter menos de 1% do orçamento federal. Como fará o Ibama, se não consegue sequer receber as multas que aplica (recebeu menos de 1% de R$ 1 bilhão, pelo último balanço divulgado)? E se bancos oficiais continuarem a financiar ali atividades degradadoras, como se tem noticiado (Estado de S. Paulo, 24/10/2010)?
Para complicar mais ainda as questões, surge a notícia da licença do Ibama para a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, um projeto que nem ao menos se sabe quanto custará, tantas vezes mudou o valor (começou com menos de R$ 10 bilhões, chegou a R$ 30 bilhões, voltou a R$ 24 bilhões, está em R$ 27,5 bilhões). Uma iniciativa que já se transforma em caso internacional em instituições preocupadas com a proteção de direitos humanos, em geral, e de índios, em particular. E levanta críticas do Ministério Público e de 17 instituições brasileiras, entre elas a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Mas Belo Monte parece ser a primeira de outras polêmicas que se seguirão com as decisões de implantar hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós, afetando áreas de preservação permanente e reservas indígenas. Tudo sem que sequer se saiba como se fará para instalar os “linhões” de transmissão de energia de Belo Monte, das usinas do Madeira e Jirau, por milhares de quilômetros. Ou que se discuta a real necessidade de novas unidades geradoras, contrariando estudos de instituições científicas.
No final das contas, como tem lembrado a ex-ministra Marina Silva, já perdemos quase 20% da Floresta Amazônica, 93% da Mata Atlântica, metade do Cerrado e da Caatinga – e continuamos a desmatar, embora tenhamos 60 milhões de hectares de terras agrícolas degradadas e abandonadas (Folha de S.Paulo, 1/5/2011). E se divulga estudo mostrando que 20% do território de Minas Gerais caminha para a desertificação.
Tudo isso certamente nos será cobrado no ano que vem, quando se realizar aqui a Rio+20. E até antes, já que se torna cada vez mais patente que o país não consegue (ou não quer) formular uma estratégia adequada para os tempos modernos, em que se preveem situações cada vez mais dramáticas com mudanças do clima e consumo de recursos naturais além da capacidade de reposição do planeta. Nesse mundo em crise, o Brasil poderá – se for competente – ocupar lugar privilegiado. Como já se escreveu tantas vezes neste espaço, temos território continental, com possibilidade de plantio durante todo o ano (num mundo sedento de alimentos), quase 13% da água superficial da Terra, entre 15% e 20% da biodiversidade planetária, possibilidade de matriz energética limpa e renovável (com hidreletricidade, energias eólica, solar, de marés e geotérmica, além dos vários caminhos dos biocombustíveis).
Quanto valerá tudo isso no momento em que se anuncia um aumento, em 2010, de 5% nas emissões de poluentes que se concentram na atmosfera e intensificam mudanças climáticas? O total de emissões chegou agora a 30,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, com a previsão de que em dois anos se superarão os 32 bilhões de toneladas – limite além do qual não será possível conter em 2 graus Celsius o aumento da temperatura do planeta, nem “eventos extremos” ainda mais dramáticos.
Um balanço nacional neste momento mostra também situações constrangedoras nas áreas do saneamento (quase 50% da população sem redes de coleta de esgotos, só 30% dos esgotos coletados recebendo algum tratamento e o despejo in natura sendo a maior causa de poluição das águas). Quase 10% da população não recebe em casa água potável. E a Agência Nacional de Águas prevê que em pouco mais de uma década mais de metade dos Municípios brasileiros terão problemas graves com recursos hídricos. Mesmo assim, continuamos a desperdiçar por vazamentos nas redes públicas em torno de 40% da água que sai das estações de tratamento. E ainda se pode falar também de resíduos, com a destinação de mais de 50% do lixo domiciliar e comercial coletado para lixões. Ou do fato de todas as maiores cidades brasileiras estarem com seus aterros sanitários esgotados.
É preciso, então, que a sociedade, com a consciência já adquirida, saia da posição de vítima e seja competente para formular políticas adequadas e exigir sua adoção pelos poderes.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente pelo jornal O Estado de S. Paulo e retirado do site IHU On-Line.