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Paquistão preso entre o diálogo e a luta com o Talibã

Um policial no funeral de vítimas de um ataque do Talibã. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Um policial no funeral de vítimas de um ataque do Talibã. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 5/2/2014 – Fazer a guerra ou a paz com o movimento extremista Talibã se transformou em um dilema para o governo do Paquistão. Para ontem estava previsto o começo de conversações preliminares entre uma equipe nomeada pelo primeiro-ministro, Nawaz Sharif, integrada por funcionários e jornalistas, e outra representando o Talibã, composta principalmente por líderes religiosos. Porém, nem todos acreditam que sejam estas as negociações necessárias.

“Não há esperança de paz porque os comitês formados pelo governo e pelo Talibã não têm poder para negociar assuntos delicados”, disse Mohammad Rasool Bangash, professor de história na Universidade Abdul Wali Kan, em Mardan, na província de Jyber Pajtunjwa “Os comitês deveriam ser integrados por representantes do governo e do Talibã. Sem que ambos se sentem para dialogar frente a frente, é difícil ter paz”, acrescentou.

Islamabad vem enviando sinais encontrados. No dia 23 de janeiro, em uma reunião presidida por Sharif e da qual participaram hierarcas do exército paquistanês, decidiu-se que seria usada a força contra o Talibã. “Não podemos entregar a autoridade do Estado ao Talibã. Falaremos com quem quiser se render antes das conversações”, declarou Sharif em um comunicado.

As vozes que pedem um diálogo convincente se fazem ouvir cada vez mais, enquanto as forças internacionais se preparam para sair do vizinho Afeganistão até o final deste ano, medida que, se prevê, vai fortalecer amplamente os rebeldes. Enquanto isso, o Tehreek Taliban Pakistan (TTP) continua cometendo ataques implacáveis.

No dia 2 deste mês, um atentado com explosivos na entrada de um cinema em Peshawar matou cinco pessoas. “A continuação dos ataques do Talibã significa que não leva as conversações a sério”, opinou Shahabuddin Kan, um ancião que emigrou para Peshawar procedente do Waziristão do Norte. “A retirada das forças dos Estados Unidos dará imensa força ao Talibã, que pode obter o controle total das áreas fronteiriças de Paquistão e Afeganistão”, pontuou Kan.

“O Talibã se tornará mais forte na medida em que as forças lideradas por Washington se retirarem do Afeganistão”, afirmou à IPS Z. A. Hilali, professor de estudos internacionais na universidade de Peshawar. “As áreas fronteiriças de Paquistão e Afeganistão estão infestadas por insurgentes que podem significar uma ameaça séria aos governos destes países”, afirmou.

Imran Kan, jogador de críquete e político cujo partido, o Pakistan Tehreek Insaf (PTI), está no poder em Jyber Pajtunjwa, é um firme partidário das conversações de paz com o Talibã. Esta província, localizada nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) do Paquistão, onde o Talibã está muito ativo, é a região mais prejudicada pelos ataques desse grupo. O Talibã, junto com membros da rede extremista Al Qaeda, se refugiou nas Fata quando seu governo foi derrubado no Afeganistão em 2001. Muitos talibãs do Afeganistão se juntaram com os do Paquistão.

Kan ressaltou que, desde 2004, as operações militares contra o Talibã não tiveram nenhum êxito, e que o movimento só se tornou mais forte. “Ouvi declarações sobre como se quebrou a coluna do Talibã, mas os resultados estão diante da nação. A cada dia vemos ataques nos quais morrem pessoas inocentes. A única maneira de haver paz duradoura é o diálogo com os rebeldes”, afirmou à IPS.

Seu partido acredita que fazer a paz com o Talibã é essencial para o progresso do Paquistão. “Sem paz não podemos avançar. Não há investimentos na província, e assim a população ficará mais pobre”, disse Asad Umar, membro da Assembleia Nacional do PTI. “Temos reformas planejadas para atrair investimentos para a província. Mas para isso precisamos conversar com o Talibã para cimentar o caminho para a paz”, enfatizou à IPS. O Talibã também vem pedindo ao governo que inicie conversações “sérias e significativas”.

O analista político Abdul Jabbar disse que as conversações são importantes porque o governo não poderá conciliar o poderio do Talibã depois da retirada das forças internacionais do Afeganistão. “Só entre oito mil e 12 mil solados, a maioria dos Estados Unidos, permanecerão no Afeganistão para ajudar as forças desse país em sua luta contra o Talibã”, destacou.

“Nesse cenário, será muito difícil combater o Talibã, porque mesmo neste momento, quando há no Afeganistão cerca de 37.500 solados, junto com 19 mil de forças de outros países na coalizão liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), eles são muito fortes”, acrescentou Jabbar, para completar que “o Talibã está cometendo atentados suicidas e com explosivos no Afeganistão e no Paquistão diante dos olhos. E podem ser um sério desafio aos dois países, propensos à insurgência, depois que as forças internacionais partirem”.

Sharif é muito criticado por adiar as conversações com o Talibã. Analistas políticos dizem que está tirando vantagem das boas equações com grupos insurgentes que operam na província de Punjab, mas isto não ajudará no longo prazo. Seu irmão mais novo, Shahbaz Sharif, é ministro-chefe em Punjab há seis anos.

“Nos últimos tempos vimos vários ataques no Punjab. O Talibã tomou por alvo a polícia, o exército e lugares públicos da província, e a situação pode piorar”, apontou Jabbar. O Partido Popular do Paquistão (PPP), o principal da oposição, cuja líder Benazir Bhutto foi morta em 2007, quer que o governo adote uma posição clara quanto a querer manter um diálogo ou realizar operações contra o TTP.

“Toda a nação está unida no combate ao terrorismo, e chegou a hora de tomar uma decisão final para erradicar os elementos que tiram as vidas de pessoas inocentes”, disse à IPS Jursheed Shah, membro do PPP e líder da oposição na Assembleia Nacional. Imran Kan opinou que o governo deveria contar com a confiança da nação se optar por uma operação militar contra o Talibã. Até agora, as operações militares não conseguiram vencer o movimento extremista, e fizeram surgir três milhões de refugiados. Uma ação de maior alcance só geraria desastre, ponderou.

“A única opção que temos são as conversações com os rebeldes”, enfatizou Kan à IPS. “Se os Estados Unidos podem falar com o Talibã afegão, então, por que nós não podemos falar com o Talibã paquistanês? É hora de sairmos da guerra liderada pelos Estados Unidos, porque perdemos 50 mil pessoas, incluindo cinco mil soldados, e US$ 100 milhões” nela, destacou. Envolverde/IPS